Elixir de longa vida
O José das Aranhas – Quem é José das Aranhas? Perguntará o leitor. É o rei dos taberneiros. É um homem singular entre os de sua indústria. Não há outro como ele.
José das Aranhas, ou dos Moinhos, tem seu estabelecimento no cais do Tejo. É uma taberna onde só se vende vinho, e que vinho! Genuíno, do Cartaxo. Não há petiscos nem iscas, apenas um naco de pão e a azeitona bem curtida para fazer boca.
José das Aranhas é um tipo que Rembrandt de bom grado escolheria para modelo de algum dos seus admiráveis quadros de costumes. Baixo, reforçado, fisionomia resplandecente de completa satisfação e de perfeita saúde, o seu barrete na cabeça, um pouco inclinado sobre a nuca, mãos nas algibeiras, nas horas do ócio, severo e inflexível com os fregueses, como um chefe de repartição com amanuenses, sempre em mangas de camisa, e arregaçadas, enfim é um tipo originalíssimo.
No seu estabelecimento não há cadeiras nem bancos; apenas pipas enfileiradas, onde se guarda o precioso líquido. Os emprazadores são expulsos. Ali é beber e andar. Nos dias de maior concorrência de amadores, como dia de Natal, Entrudo, Pascoa, Santos, S. Marinho, José das Aranhas fecha a porta, e passeia majestosamente em frente ao seu estabelecimento. Ninguém será capaz de nesses dias lhe apanhar meio quartinho do famoso Cartaxo, por mais que inste e peça. Se lá aparece algum freguês com quem ele embirra, ou que receia faça troça, não lhe vende vinho.
O vinho é sempre medido; o copo não vai a torneira, mas a medida, e deita vinho para o copo. Assim o taberneiro não engana os fregueses; dá a medida justa.
Quando precisa fornecer a taberna, fecha a porta, mete-se numa falua, de caminho de ferro nada entende, e vai ao Cartaxo comprar o melhor vinho. Não sabe o que são pagamentos a prazos, nem letras, leva consigo o dinheiro, e paga de pronto o que compra.
Enquanto os negociantes discutem prazos, falam em letras, José das Aranhas discute preço; quando lhe convém, compra vinho, e o dinheiro passa logo da algibeira dele para a do vendedor.
Recolhe-se a Lisboa com o precioso líquido, e vende-o como lhe parece. Não faz anúncios, não carece de publicidade, e os amadores lá vão procurá-lo à espelunca, cujo teto é primorosamente decorado com o mais engenhoso tecido feito por milhares de aranhas.
A polícia jamais entra na taberna de José das Aranhas, porque ele não consente ali cavacos, a maior parte tumultuosos, nestes estabelecimentos.
Já os leitores veem que lhes apresentamos um tipo singular.
E para que se saiba quanto vale o puro vinho do Cartaxo, dizemos que parece elixir de longa vida, porque referem agora os jornais que na vila, centro dessas terras, que produzem o estimado licor, morreram no curto período de três meses quatro macróbios, sendo três mulheres, uma de 110 anos, outra de 105 e outra de 100, e um mulato de 120!
Aqui está, como José das Aranhas, moderando o ardor dos fregueses, contribui para lhes alongar a vida com o uso do genuíno e puro Cartaxo.
P S 1- Crônica divulgada n’O Despertador, da Parahyba, (ano III, nº 470, de 28/03/1864), transcrita do Jornal do Commercio, de Lisboa.
P S 2 – Joaquim Antônio do Couto saiu da vila do Cartaxo para o Brasil e se instalou no vale do Rio do Peixe. Ao casar, acrescentou Cartaxo ao seu o nome, dando origem à única família no Brasil com este sobrenome.
P S 3 – Joaquim Antônio do Couto Cartaxo é pai do tenente João Cartaxo, morto à bala na praça da matriz de Cajazeiras, em 1872.
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