Ele voltará
Escrevo estas linhas no dia em que o PT pede o registro da candidatura de Lula. Igual a Getúlio em 1950, ele é suspeito de inelegibilidade. Por motivos diferentes, claro, e em situação diversa. Extremamente diversa. Antes, os partidos, embora novos, tinham alguma consistência. Havia firmes partidários, por exemplo, do PSD e da UDN. Hoje, os partidos nada significam. Simples mistura de letras. Mudam apenas de nome. E a eleição? A mais complicada bagunça desde meados do século passado.
Dia desses, ouvi um amigo comentou: Lula voltará da mesma forma que Getúlio voltou. Falou com a convicção de militante petista, acreditando na estratégia do PT de desafiar as regras eleitorais e a Lei da Ficha Limpa. Tudo não passa de farsa, disse, de perseguição política. Então, vincula Lula à figura histórica de Getúlio Vargas, que comia o pão que o diabo amassou na gritaria liberal das vestais da UDN.
Certa manhã de 1950, menino de calça-curta, eu nem estudava no Ginásio Salesiano Padre Rolim, ouvi a voz firme de dona Isabel:
– Frassales, vá à bodega de Paulino, compre uma barra de sabão, passe no açougue e traga meio quilo de toucinho.
Fui do jeito que andava em casa, de calção e chinelo. Surpresa! As paredes do açougue e de casas em redor da Praça da Matriz, estavam cobertas de fotos. A mesma imagem, o rosto de um velho sorridente, lenço no pescoço e estes dizeres em simulada letras escritas à mão: ele voltará. Ainda hoje, guardo na memória aquela cara de riso largo, irradiando enorme alegria. Aquilo me tocou. Ao chegar em casa, minha mãe me explicou:
– É Getúlio Vargas, meu filho, o ditador, que estava refugiado no Rio Grande do Sul, agora, quer ser presidente de novo.
Dona Isabel tinha enviesado pendor udenista, eleitora que era do brigadeiro Eduardo Gomes.
Depois de ser alçado ao poder pelo movimento revolucionário de 1930 o estancieiro gaúcho, que dominara a cena política brasileira até o golpe de 1945, preparava seu retorno. Votado para o Congresso Constituinte em vários estados, nas eleições gerais de dezembro de 1945, Getúlio ficou como senador pelo Rio Grande do Sul. Hostilizado, sem clima para o debate parlamentar, recolheu-se a sua fazenda em São Borja. Mal falava à imprensa. Vivia no quase exílio que se impôs. Mas estava livre para confabular com amigos e adeptos, tramando à sorrelfa sua volta ao poder. Pelas urnas.
Da estância gaúcha, o matreiro político articulou seu retorno, em 1950. Eu voltarei, não como chefe de partido, mas como líder de massas, teria anunciado, já em 1949, ao jornalista Samuel Wainer, em bem preparada entrevista, depois divulgada com estardalhaço pelos Diários Associados, a poderosa cadeia de jornais e rádio de Assis Chateaubriand. O cartaz que eu vi, menino de calça-curta, nas ruas de Cajazeiras, era o slogan da campanha eleitoral. Slogan ajustado ao sentimento do queremismo predominante na população. Saudosa, menos do ditador Vargas e muito mais do chefe revolucionário de 30, que dera início à modernização da sociedade brasileira, implantando as bases da industrialização e a proteção do operariado com a disciplina legal nas relações capital/trabalho.
Por que falo disso hoje?
Porque tenho dificuldade encontrar afinidades entre Lula e Getúlio. Getúlio se recolheu por vontade própria a sua estância, tendo liberdade e clima para articulações políticas. Lula foi preso por decisão judicial de segunda instância, sem espaço e ambiente para movimentar-se. Ao contrário de Lula, quase isolado, os partidos foram buscar Getúlio em São Borja.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário