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Cristina Moura

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E por falar em Deus

04/09/2020 às 08h49

Coluna de Cristina Moura

No meu castelo há espaço para tantas pessoas, tantas festas, tantos pensamentos. Pois é. Continuo escolhendo quem pode ir até a torre mais alta, quem vai ficar trancafiado no calabouço, quem vai auxiliar na guarnição do território. Sim. No meu reino, não posso, no entanto, estipular as crenças, os dogmas, os rituais divinizados. E por falar em Deus, o tema é algo tão pessoal, que minha brincadeira medieval se esvai, por instantes. Crer ou não crer é algo tão íntimo, que nem sei se meus decretos de comemoração a dias santos na corte estão valendo mesmo. Não sei.

E por falar em Deus, sei que tenho alguns amigos ateus e nunca brigamos por causa do assunto. Nem vamos brigar. Cada um tem seu direito de entender o universo ou pelo menos tentar entender. Sim. E por falar em Deus, alguns amigos ateus são mil vezes mais cristãos do que eu. Vivem dando exemplos de fazer o bem. Não divulgam seus feitos, não se vangloriam, não se envaidecem, não se exaltam: um achado, nos dias estrambóticos atuais. Quero ser amiga deles, se possível, durante muitos anos. Não vou dizer que eternamente, pois alguns não acreditam em eternidade. Tranquilo. Vou ordenar que os canhões não sejam disparados. Fiquem lá, nos fortes, para enfeitar.
E por falar em Deus, fico lembrando dos meus remanescentes cariris. Os nossos parentes mais distantes acreditavam, em sua maioria, que tudo o que é ligado à natureza representa o divino. E por falar em Deus, o Sol, em toda a sua amplitude, veio nos dizer que o dia amanheceu. E por falar em Deus, um astuto bichinho voador também nos disse que é preciso cantar, do jeito que souber. E por falar em Deus, um pedaço de neblina chegou, dizendo que o tempo é difuso na nossa compreensão.

E por falar em Deus, as palavras falam e se harmonizam com aquela montanha, logo ali, a nos espiar. E por falar em Deus, querido leitor, as palavras existem e só existem porque queremos. E por falar em Deus, aquela mangueira prepara suas flores para logo mais, em dezembro, deixar os frutos à mostra, à disposição, à feira livre, ao suco, ao sorvete, ao contentamento. E por falar em Deus, não vamos ficar aqui desafiando os meus amigos ateus. Quero tão bem a eles quanto aos que se benzem e se concentram e se conectam, de modo diário e quase ininterrupto, ao que há de sobrenatural.

E por falar em Deus, nossas mãos, se juntas, se dadas, promovem a aplicação sorridente dos mandamentos, dos princípios, das leis máximas da cristandade. Não é uma operação fácil. Não é uma operação rápida. Não é uma operação simples. Não é uma operação vista por todos. Eu mesma não sei se sei fazer tudo isso. Imagino, de pronto, as convicções complexas de cada um. Sou lenta, em diversos aspectos. Nem sempre alcanço a simplicidade. Nem sei se consigo visualizar essa guirlanda de afetos e condescendências.

E por falar em Deus, por enquanto, aciono meus cadernos de orações. São muitos blocos, documentos, arquivos: todos guardados numa sala especial do castelo. Para os que creem, para os que desconfiam, para os que ironizam, para os que repelem, talvez seja importante continuar esse rosário de pedidos. Sim. Em produção constante, larga escala industrial e emocional. Em sequência real, fardos e mais fardos. Sim. E por falar em Deus, um abraço.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

Cristina Moura

Cristina Moura

Jornalista e Professora cajazeirense, radicada no estado do Espírito Santo.

Contato: [email protected]

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