Dom Helder Câmara e a ditadura
A beatificação de dom Helder Câmara está em andamento. A fase diocesana deve encerrar-se em dezembro com a remessa da documentação exigida pelo rito eclesiástico. Documentação vasta graças à ampla e diversificada atuação de dom Helder. O minucioso trabalho vem sendo conduzido pela arquidiocese de Olinda e Recife, com mais afinco a partir de 2015, quando foi requerida a abertura formal do processo de beatificação. Essa tarefa tem sido facilitada pela digitalização do imenso acervo de e sobre dom Helder, em esforço conjunto com a prefeitura do Recife e a CEPE – Companhia Editora de Pernambuco.
Helder Pessoa Câmara é cearense nascido em 1909 em Fortaleza. Ali estudou e foi ordenado sacerdote católico em 1931, aos 22 anos. Muito jovem, tanto que precisou obter autorização expressa do Vaticano. Na mesma década transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde continuou a desenvolver profícua atividade religiosa, cultural e política. Nessa época, o mundo girava em torno de dois polos ideológicos bem definidos: o comunismo ateu de um lado, e do outro, o nazismo e seu filhote, o fascismo. Padre Helder ingressou na Ação Integralista Brasileira, que aglutinava, no Brasil, forças conservadoras contrárias ao comunismo. Não demorou muito o desencanto do jovem sacerdote. Afastou-se do integralismo e, cada vez mais, se aproximou dos pobres. Suas atividades adquiriram mais realce como bispo auxiliar de dom Jaime Câmara, na arquidiocese do Rio.
Anos depois, veio para o Recife.
Chegou às vésperas do golpe de 1964 para tomar posse no arcebispado de Olinda e Recife, em 12 de março. Ainda conviveu com Miguel Arraes no governo de Pernambuco, dias antes de ser deposto e preso pela força das armas, ao recusar-se a aderir à nova ordem. Dom Helder não se afastou dos pobres. E o manto protetor de sua bondade se estendeu aos perseguidos políticos, aos injustiçados, aos proscritos. Deu conforto a muitos presos políticos e alento a quem, desprotegido, procurava abrigo. Na medida em que a repressão avançava com seus métodos brutais, dom Helder ampliava sua ação humana e cristã. Sofreu ameaças e atentados. Demagogo, subversivo, bispo vermelho, comunista eram alguns dos adjetivos aplicados ao Dom da Paz.
A ditadura proibiu a mídia de citar seu nome.
Dom Helder virou um morto-vivo.
Morto-vivo vigiado dia e noite. Foi desse tempo, a execução desumana do jovem assessor de dom Helder, padre Antônio Henrique, na Cidade Universitária. Crime político praticado à sombra do poder. O morto-vivo, vez por outra, viajava ao exterior, onde denunciava crimes do regime militar brasileiro: censura rigorosa, perseguições políticas, prisões arbitrárias, tortura e mortes nos cárceres. Não invento nada.
Por que relembro isso?
Porque são fatos da História do Brasil. Agora andam a insinuar uma revisão histórica, cujo cerne é negar que o golpe de 1964 não resultou em ditadura. O presidente do STF, Dias Toffoli, antigo advogado do PT, já se rendeu à essa balela… até nominou de movimento a ditadura iniciada com a deposição do presidente João Goulart!
Outras vozes fazem coro. O mentor da nova ordem que começa a implantar-se no Brasil, Olavo de Carvalho, de sua casa nos Estados Unidos desdenha dos fatos, incita seus seguidores a negar que, durante 20 anos, vivemos sob regime ditatorial.
Por isso, faz sentido lembrar a vida e a luta de dom Helder Câmara, uma pedra santa no caminho da ditadura.
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