Dois cafezinhos
Garçom, por favor, dois cafezinhos. Meu querido leitor está aqui, nesta mesa, a saborear comigo o que o vento diz. Provaremos o encorpado líquido preto, que já foi, há centenas de anos, inclusive, proibido. Que bom que estamos livres. Aprendi a sentir o gosto do amargo grão, que possui um bom número de descobridores. Dizem que os árabes foram os primeiros. Não sei. Vou deixar essa preocupação para depois.
O que tenho de certeza é que esse cafezinho vai muito bem com um pão aguado, com manteiga. Sim. É o mesmo pão de sal, pão francês. Vai muito bem também com um pedaço de bolo. Se for de milho, perfeito. Pode ser com outra iguaria. Se for com tapioca, silêncio total, reverência. Se for com cuscuz, emoção pura. Se for com pão de queijo, problemas resolvidos. Pronto.
Fique à vontade, leitor. Coloque açúcar, se quiser, se puder. Não convivo mais, de maneira leve e gratuita, com os refinados e cristalizados totalmente brancos. Mas, fique à vontade. Caso queira pensar noutra opção, um quadradinho de rapadura combina. Pitada de canela: eis a solução temporária para uma bebida exótica.
Se o leitor não gostar de café, tudo bem. Podemos combinar outra coisa. Se for café com leite, não é mais aquele café do primeiro parágrafo. É outro plano, outro ritmo, outra digestão. É bom, mas fica num patamar de combinações. Sim. Quente, se possível. Com uma conversa tranquila, amigável, pacífica. Quantos cafés me uniram a pessoas com opiniões tão diferentes. Quantos cafés me instigaram a não dormir tão cedo, somente para pensar um pouco mais, escrever mais duas páginas, estudar mais aquele tópico entranhado em outros tópicos. Quantos cafés me orientaram a entender que a vida merece uma caravana de poesia eterna.
Garçom, amigo, preciso de um copo d’água. Todo café em mim dá sede. A cafeína tem um repuxo mental diferente: promove as palavras. Um fala daqui e o outro de lá. Um verso nasce daqui e o outro de lá. Um arrasta o pé daqui e o outro de lá. Se for musicado, vai ajustando os acordes. Talvez caiba, por entre uma comemoração e outra, uma dissonante, para tornar a festa ainda mais rica e controlarmos a respiração. Talvez o título seja outro. Talvez eu peça mais um gole, um real, um dedo. Aí o pensamento vai descongelando, contente, sadio, para pingar na memória cada dizer das gentes e cada cantar dos caminhantes. Vamos. Temos muita história para descarrilhar. Só mais uma xícara.
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