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Mariana Moreira

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Ditos ao vento

06/09/2024 às 21h55

Coluna de Mariana Moreira - Foto: arquivo/Agência Brasil

Por Mariana Moreira – Os momentos que antecedem as eleições revelam possibilidades múltiplas de análise e tematização sobre o que é dito e as implicações políticas, sociais, discursivas da fala e do contexto que a insere. Momentos explicitados nos guias e propagandas eleitorais que, a revelia das cenas engraçadas, amadoras e inócuas, e que trazem fartos conteúdos de falas, intenções, ditos e escritos, são reveladores da farta utilização do discurso como ferramenta de convencimento, mesmo sem nenhum ou raríssimo lastro de sustentação na realidade que o produz.

Um exemplo são os guias eleitorais que, as vésperas das eleições, são veiculados pelos múltiplos meios de comunicação. E, observando a relação entre o material da propaganda e quais vieses discursivos ele explicita, e também traz implícito, é facilmente detectável o distanciamento entre o que é dito e a realidade que o circunda.

Vendo as peças publicitárias de mulheres candidatas observa-se que, independente da filiação partidária, a quase totalidade se sustenta no discurso de que são “mulheres guerreira”, “mulheres de luta”, “mulheres defensoras dos direitos das minorias”. Discurso que motivou e sustentou a luta de mulheres pelo direito ao voto, pelo direito ao trabalho, pelo direito a representação política, por direito a existência política e cidadã, sem as peias e amarras do patriarcado e da dependência masculina.

Mas, a luta de mulheres, em significativas partes do planeta, ao longo dos últimos séculos, não traz em sua origem a marca de um DNA naturalmente feminino. Essa luta é política e, portanto, histórica. Ela surge e se constitui no fazer-se mulher, em situações de opressão, de silenciamento, de invisibilidade. Ou, como nos ensina o filósofo francês Michel Foucault, na obra A Ordem do Discurso, “O novo não está no que é dito, mas no acontecimento de sua volta.”. Ou seja, não basta apenas a fala, ou o dito, de ser “uma mulher de coragem, guerreira, defensora das minorias”, quando a legenda partidária que lhe sustenta traz em sua linha programática e em suas ações políticas a defesa, muitas vezes explícita, da invisibilidade feminina.

São filigranas que, suspensas na condição de insignificâncias, traz, em seu sentido, o uso do discurso como ferramenta de persuasão e convencimento a partir de falas ditas em atendimento a uma ordem estabelecida, mas totalmente apartada da prática e das ações daqueles e daquelas que, no cotidiano, se abrigam no guarda sol das palavras, sem nenhuma relação com as coisas que as nomeiam.

E, como ainda nos ensina o Michel Foucault (A Microfísica do Poder), “O problema não é mudar a ‘consciência’ das pessoas, ou o que elas têm na cabeça, mas o regime político, econômico, institucional de produção da verdade”. Ou seja, não bastam apenas palavras, mas onde elas são produzidas, quais contextos as forjaram e as forjam e a relação entre as palavras e as coisas, entre os ditos e os escritos e falados. E, sobretudo, a ação e a história de quem fala e de onde fala.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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