De pombos, bem-te-vi, sabiá e coruja
É tempo de poesia. Será? Sempre é tempo de poesia, responde o poeta, ela está em qualquer lugar, em todas as coisas. Dia desses falei do medo dos pombos do meu bairro, apavorados com barulhentas carreatas eleitorais. Fugiam desgarrados, quebrando sua tranquila rotina de forma brusca. Brusca e violenta para a relativa calmaria de Casa Forte, pedaço do Recife impregnado de história, desde a ocupação holandesa. Seria exagero classificá-lo como bairro bucólico, salvo quando comparado a outras partes desta agitada cidade. Assim, posso dizer que Casa Forte é tranquilo na maior parte do dia e da noite. Aqui, do meu apartamento, já presenciei cenas que agora divido com meia dúzia de leitoras.
Cadê o ninho do bem-te-vi?
Já falei dele antes. Costumo ver o casal construir seu ninho, todos os anos, no mesmo pé de jambo, em frente ao meu prédio. Observo a procura de finos galhos secos transportados no bico na paciente preparação do aconchego, onde nascerão filhotes que voltarão à mesma árvore para o ato da continuidade da espécie. São várias gerações de bem-te-vis nascidos e criados nas redondezas. Existem dois pés de jambo, plantados no mesmo dia, um ao lado do outro. Acompanhei seu crescimento passo a passo. Um deles se desenvolveu bem mais. Justo o que é desprezado pelos pássaros para edificar seu ninho. Não consigo entender essa preferência dos bem-te-vis. Embora sempre os veja, alegres e cantantes, na vizinhança, este ano ainda não fizeram o ninho.
Sabiá merece atenção especial.
Levo banana e manga para atraí-lo ao arbusto do jardim do meu prédio. Outros moradores fazem o mesmo. O sabiá é uma criaturinha vulnerável, voa baixo. Tem um canto triste que me traz à lembrança o sítio onde nasci, em Cajazeiras, hoje incorporado à paisagem urbana, mas conservando ainda muitas árvores frutíferas, fonte de saudade a impregnar minha alma. O leitor pode achar tolice essas pequenas confidências. Acompanhar, por exemplo, o voo rasteiro de sabiás ao amanhecer me enche de alegria. Nunca descobri onde se agasalham. Os gaviões… ah, os gaviões! Quero dizer, o gavião. Às vezes, surge um, como perdido, por estas bandas à procura de caça. A cena de sua briga com bem-te-vis é exatamente igual àquela que ocorre vezes sem conta no sertão. Só muda o cenário. Aqui, testemunhei a ousadia de um gavião a saciar a fome num pedaço de carne congelada colocado ao sol na mureta da varanda de um apartamento do prédio vizinho. Eu cheguei a ouvir o grito de desespero da mulher ao descobrir tão inusitado assaltante. Mesmo assim, não tenho medo do gavião. Até me divirto.
E a coruja?
Vi poucas vezes. Esta semana, uma pousou na tela do terraço, bem em frente à mesa onde escrevo esta crônica. Teria ela me encarado? Não sei, mas um raio da memória me trouxe o corvo, de Edgar Allan Poe, de mistura com o verso famoso de Augusto dos Anjos – Ah, um urubu pousou em minha sorte! Tudo muito rápido. Mal tive tempo de ter medo. Bobagem. Ela voou. E seu voo desperta em mim lembranças antigas. O voo e o piado. Duas coisas que na coruja me atemorizavam em noites escuras. Que diabo, a coruja aparece nas horas cinzentas, quando a luz do sol já não ilumina o dia; ou, noite alta, as luzes fracas são incapazes de espantar temores infantes. Paro aqui. Vai pra longe sinal de mau agouro, arrastado nas asas abertas e no pio soturno da coruja.
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