Corrupção diplomática no Império
Corrupção sempre houve aqui e em qualquer lugar. Faz anos, relatei neste espaço algumas travessuras da condessa de Santos, que deitava e rolava na cama com Pedro I. E cobrava propinas por tráfico de influência, anotadas por diplomatas de fora. Isso no tempo do Brasil menino, saído dos cueiros portugueses. Tratei do assunto, de passagem, ao comentar o livro “D. Pedro I”, da historiadora cearense Isabel Lustosa. Agora abordo de novo o tema, ao me deparar com a sutileza de um famoso escritor, que apontou a corrupção de um político, naquele tumultuado período de nossa formação.
Vamos aos fatos e ao personagem.
Entre as figuras de relevo da primeira metade do século XIX, está o advogado Caetano Maria Lopes Gama, visconde de Maranguape (1795-1864). Apesar do título, não é cearense nem militou no Ceará. Nasceu no Recife, e é irmão do frei Miguel do Sacramento Lopes Gama (1793-1852), conhecido também como Padre Carapuceiro. Por quê? Em função d’O Carapuceiro, jornal fundado em 1832 e escrito por ele. Foi membro da Academia Pernambucana de Letras. Mas isso é outra história.
Voltemos a seu irmão.
O visconde de Maranguape formou-se na célebre escola de Coimbra (1819), aliás, a mesma turma de Pedro de Araújo Lima, futuro marquês de Olinda (1793-1870). Lopes Gama foi juiz, deputado, presidiu as províncias de Alagoas, Rio Grande do Sul e Goiás, foi Conselheiro de Estado, ministro da Justiça e duas vezes ministro dos Negócios Estrangeiros. De “negócios e capitais ingleses”, então os donos do mundo, Maranguape conhecia muito bem. Disso nos dá conta Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), em estudo que deixou inacabado:
“Sabe-se hoje, aliás, que o futuro Visconde de Maranguape não agia sempre desinteressadamente quando as causas que abraçava coincidiam com os desejos da diplomacia do Reino Unido. Há mesmo notícias de que recebeu propinas de Henry Ellis, chefe da missão especial britânica, a fim de trabalhar no Conselho de Estado, para onde acabava de ser nomeado, em favor de um novo tratado do comércio. Durante longos anos ainda estará a soldo do governo britânico”. (Do livro póstumo: Capítulos da história do Império, p.58).
O advogado Lopes Gama sabia se defender… E aproveitou muito bem as oportunidades que lhe facilitara, sobretudo, seu antigo colega de Coimbra, o maleável Marquês de Olinda, um dos políticos mais expressivos do Partido Conservador.
O visconde de Maranguape foi também senador, vitalício, de 1839 a 1864. Vinte e cinco anos de Senado! Corri à extensa crônica O velho Senado, de Machado de Assis, a ver alguma referência a ele. Ufa, no último parágrafo, Machado, após realçar reminiscências do senado imperial, escreve:
“E após ele vieram outros, e ainda outros, Sapucaia, Maranguape, Itaúna, e outros mais, até que se confundiram todos e desapareceu tudo, cousas e pessoas, como sucede às visões. Pareceu-me vê-los enfiar por um corredor escuro, cuja porta era fechada por um homem de capa preta, calções pretos e sapatos de fivela. Este era nada menos que o próprio porteiro do Senado, vestido segundo as praxes do tempo. (…) Alguém ainda quis obstar à ação do porteiro” (…) mas ele “envolveu-se na capa, saiu por uma das janelas e esvaiu-se no ar, a caminho do cemitério.”
Os 25 anos de senado do visconde de Maranguape evaporaram, ao lado de outros figurantes do Brasil Império, na fina visão irônica de Machado de Assis.
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL
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