Chuva e mortes
Por Francisco Frassales Cartaxo
As imagens dos efeitos da chuvarada na Região Metropolitana do Recife percorrem o mundo, anunciando a tragédia. Há muito não ocorria isso. Cercada de morros, cortada de rios e canais Recife é extremamente vulnerável à chuva. A maioria dos pobres mora em áreas de risco, por absoluta falta de condições reais de construir ou alugar sua morada em terreno adequado, menos sujeito à queda de barreiras ou alagamentos. Reside em morros e encostas porque não tem opção. Em época de grandes águas, como agora, a natureza se impõe, ajudada pela falta de políticas públicas geradoras de investimentos maciços em urbanização e habitações seguras.
E quando coincidem enchente de rio e maré alta?
Presenciei, anos atrás, inundação de lugares sem que, aqui, tivesse caído um pingo d’água. O enorme volume do rio Capibaribe encontra a água do mar e recua, salgando ruas, praças, parques, calçadas e casas. Menos mal. O fenômeno acontece aos poucos, o nível d’água subindo, subindo e a gente de prevenindo. Nos morros, não. A avalanche de lama chega de uma vez, arrastando árvores, muros, entulhos, casas, tudo que encontra no caminho. Vidas. Vidas soterradas ou perdidas no mergulho forçado em água suja e barrenta.
Até hoje, dia 9, foram 129 mortes em Pernambuco.
Em 2001, o inverno foi antecipado e forte. Em janeiro, mal se instalara a gestão do PT no Recife, o prefeito João Paulo enfrentou situação de calamidade. Vivi a angústia das enchentes, como integrante da equipe da professora Tania Bacelar, secretária de Planejamento e Meio Ambiente. Foi um desafio para a inexperiente administração. Para mim foi um espanto. Sertanejo, sempre tive na chuva a salvação. Nunca a destruição. Acompanhei em noites de chuva, da sede da Defesa Civil, o empenho, a eficácia da luta, das articulações entre agentes públicos e as comunidades.
Morreram duas pessoas.
Passado o sufoco emergencial, técnicos da prefeitura identificaram no Recife 20.000 pontos de risco. Nos anos seguintes, ao abrigo do Programa Guarda-Chuva, os alertas eram constantes. As ações concretas iam da assistência aos desabrigados à transferência legal de renda, salário-moradia, ao uso da polícia para remover de áreas de alto risco famílias resistentes. Muitas vidas foram salvas na doçura das abordagens de assistentes sociais ou em carrocerias de veículos sob lágrimas, choro, a casa sem serventia. Muita revolta, mas vidas foram preservadas.
Tão diferente das águas descendo do Açude Grande!
Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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