Chico Discoteca
O conheci na campanha de Zuca Moreira para prefeito de Cachoeira dos Índios em 1988. O corpo pequeno e o andar ligeiro frequentemente cambaleando pelo efeito da cachaça. Chegava apressado como se a vida de bêbado fosse imprevisível e com duração determinada pelos raros e trêmulos momentos de lucidez. Chegava e com todos brincava. Chamava-me num canto e entre conversas e pitacos políticos, disparava: – Prima, me dá um dinheiro aí para esquentar o dia! A todos tratava carinhosamente de primo!
Em outros e freqüentes momentos, chegava esbaforido, soltando os bofes pelas ventas, como se diz, popularmente. Vinha da direção do comitê do candidato adversário. A traquinagem já era conhecida por todos nós, correligionários de Zuca Moreira, e por todos os adversários políticos. Ele chegava ao comitê do adversário e, a plenos pulmões, berrava: -É Zuca Moreira nas quebradas! Os oponentes acreditavam que era instigado por nós, mas, honestamente, nunca estimulamos esse procedimento. Mesmo sem nosso estímulo, tínhamos, diariamente, um bom alardeador da campanha.
Passada a campanha eleitoral, amargamos o resultado adverso das urnas. Mas a vida continua. E nas minhas assíduas passagens por Cachoeira dos Índios, na direção do Sítio dos meus pais, em Impueiras, sempre o encontrava perambulando pelas ruas da cidade. Ao me avistar, vinha com sua esfuziante e etílica saudação: Prima me dê notícias de Zuca Moreira e uns trocados aí para tomar minhas pingas. E saía em seu passo cambaleante na direção de outros sonhos e na esperança de encontrar outros amigos ou mesmo parceiros de copo.
O seu verdadeiro nome nunca procurei me inteirar. Sabia apenas que todos o chamavam Chico Discoteca, talvez pelo fato de que, quando o álcool quebrava todas as inibições, ele se considerava o mais afamado dos cantores e, com voz rouca e destoada, impunha aos nossos ouvidos músicas desarticuladas e desafinadas. Viveu sempre nas franjas da existência, fugindo da lucidez e se embriagando como estratégia de fuga para os dissabores e desafios que o cotidiano nos impõe. Fez sua opção e a conservou com dignidade. Era um ébrio e a embriaguez, sua filosofia de vida. Assim morreu recentemente. Sem grandes feitos ou méritos. Apenas a certeza de que, nas quebradas, foi e sempre será Chico Discoteca.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário