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Mariana Moreira

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Causos nossos…

31/01/2025 às 19h18

Coluna de Mariana Moreira - Imagem ilustrativa - Foto: reprodução/Governo de Sergipe

Por Mariana Moreira – Num lampejo de saudades emergem espaços de acontecimentos e causos.

Lembrar o “oitão” da casa do sítio, onde o patrão se reúne com todos seus moradores, agregados, “compadres” e amigos, para acertarem a empreita da broca, pagar a “arranca de toco”, pesar o algodão apanhado na semana, fazer as contas ou simplesmente tomar um “xicrão” de café da comadre, torrado em casa e adoçado com rapadura.

Nesse universo, inflação se chama carestia.

Com seu Ontoin Boge – é Ontoin mesmo -, e seu inseparável cigarro de fumo displicentemente esquecido no canto da boca, seu “artifício” de chifre de boi e cheio de algodão queimado, despertando a curiosidade infantil. Ele chagava prendendo ao dedo meio quilo de toucinho de porco comprado fiado na bodega do compadre Antônio Marais. Soltando uma monumental cuspida no terreiro levantando poeira falava espantado o preço do café sempre concluindo com uma reclamação tão antiga como as serras que lhe serviam de cenário: “desse jeito onde vamos parar”.

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Juntando-se ao grupo chegava Ontoin Monteiro com suas pequenas orelhas que lembravam tampas de refrigerantes bebidos no pátio da Capela em dia de missa. Reclamando da vida dura que levava, onde a seca, a lagarta ou a chuva forte frustravam as expectativas de uma boa safra. “Vou embora dessa onça, que isso não é terra de home”, afirmava, para desespero de sua mulher, Zefa Boge, uma fada na confecção de bonecas de pano que povoavam nossas casinhas de brinquedo. E ele cumpriu a ameaça, procurando, como tantos dos nossos, melhores dias no solo paulista. Se conseguiu…

Num canto, ouvindo a conversa e resmungando baixinho, amaciando na mão o fumo de rolo que enrolava com maestria em cigarros de palha, estava o cego Zé Pisco. Não sei porque toda história do interior sempre tem um cego? Com a gagueira característica ele pouco participava da conversa, limitando-se mais a ouvir embora guardasse enormes segredos da gente do lugar que, como todos nós, enganava-se ao pensar que cego e “moco” eram “túmulos lacrados”, não se constrangendo em botar para fora intimidades ou segredo cabeludos na sua presença. Ele só se manifestava mesmo quando alguém do oitão da casa, ou algum moleque mais ousado passava pela estrada e pressentindo sua presença, metia o grito no ar… “Olha o urubu no arroz”. Pobre daquele que tivesse mãe, era um deus nos acuda, tamanha eram as pragas, irritação também aparecia em seus olhos de cego quando alguém lembrava do incidente em que ele, certa vez, a beira de uma estrada, usou folhas de urtiga como papel higiênico. Era como jogar sal em sapo…

São causos de uma distância onde a televisão era conversa de todos como alguma coisa irreal. Onde o rádio era um “Transglobo” na mesinha da sala, embaixo do quadro do Coração de Jesus e da mancha de fumaça da lamparina na parede. Hoje, poucos conseguem reeditar esse tempo…


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: altopiranhas@uol.com.br
Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: altopiranhas@uol.com.br

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