Cassar pelo conjunto da obra?
Por Francisco Frassales Cartaxo
O que vale é o conjunto da obra, embora não exista definição legal dessa gasosa figura, ausente do ordenamento jurídico. No debate sobre o impeachment de Dilma falta sensatez e sobram falsidade, contradições e hipocrisia. Há tremenda incoerência entre os a favor e os contra a permanência dela no governo. Daí o apelo ao conjunto da obra. Os aliados de Dilma fizeram um esforço enorme, ao que parece, em vão.
Após o dia 11, Michel Temer poderá ser o presidente da República.
Tudo caminha para isso. A estratégia da defesa de Dilma consiste em demonstrar que ela não cometeu crime de responsabilidade, como está previsto na Constituição. Esse delito é requisito legal para caracterizar o impeachment e, em consequência, dar início ao processo formal. Pressupõe atos e ações do ocupante do cargo, portanto, crime individualizado. Mas isso, não interessou à maioria da câmara federal nem interessa agora ao senado. Quando o argumento para embasar a face jurídica do impedimento é frágil, recorre-se ao difuso conjunto da obra.
Com base nele, alguns senadores já anteciparam seu voto. Pior, uma senadora gaúcha justificou sua posição mais ou menos assim: no meu estado, mais de 80% do eleitorado são a favor do afastamento de Dilma, e ela é nossa conterrânea! Isto pode ser razão relevante para desalojar a presidente, jamais para fundamentar um voto pelo impeachment. Alegações dessa natureza são motivo de sobra para derrotar o gestor incompetente nas urnas. Nunca no Congresso.
Afinal, o que é o conjunto da obra?
Pode ser tudo. Por exemplo, a falta de cintura de Dilma que, em matéria de articulação política, parece uma saca de lã. Não tem apetência para dialogar até com seus companheiros do PT. É gestora limitada, mesmo tendo fama de ótima gerente. Falta-lhe visão estratégica dos problemas brasileiros. E vai por aí. Além do perfil pessoal, alega-se o desastre do governo petista na economia, refletido negativamente na vida das pessoas. E mais, concorreu para ampliar a corrupção, disseminada na coalizão partidária sob o comando do PT. Aliança baseada na compra de apoio parlamentar mediante a distribuição de benesses do poder, com repartição do resultado do assalto criminoso ao aparelho de Estado, em particular, à Petrobras. Esses fatos e muitos outros são verdadeiros. Mas isso nada tem a ver com o instituto jurídico do impeachment de Dilma tanto que a denúncia formal ficou restrita a dois pontos: pedaladas fiscais e decretos de suplementação orçamentária.
Pontos de comprovação nebulosa, mesmo no senado, onde o debate anda mais civilizado do que na câmara federal. Contudo, igualmente falso e hipócrita. Ora, há senadores envolvidos nas Operações Lava Jato e Zelotes. Atolados até o pescoço na corrupção passiva, na lavagem de dinheiro desviado dos cofres públicos. Lá estão eles, fagueiros, ex-ministros do governo Dilma que, agora, votam contra ela, com base no conjunto da obra! Obra, aliás, que exibe a digital de muitos deles, investigados pela Polícia Federal e pelo Ministério Público. Alguns ainda não foram presos por causa do foro privilegiado. Do contrário, seriam companheiros de cela de empresários, como Marcelo Odebrecht. Essa gente vota a favor do impeachment em nome do combate à corrupção! São os iguais. Iguais ao senador Demóstenes Torres. Lembra o leitor daquele senhor, paladino da moralidade? Só lhes falta, a seus iguais, a careca reluzente…
Não morro de amores pela gestão petista desde que sua face perversa foi exposta no mensalão e no petrolão. Por isso, não votei em Dilma. Mas, usar o conjunto da obra para embasar impeachment, Deus do Céu, é hipocrisia sem limite!
P S – Não esqueça de agendar: dia 19 de maio, lançamento do Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras no cerco ao padre Cícero.
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