Carro-pipa e o senador baiano
Carro-pipa é ferramenta política, desde quando alguém teve a ideia de colocar um depósito d’água no chassis de uma velha caminhonete, liberando o jumento de carregar latas cheias d’água. Daí em diante foi só aperfeiçoar a geringonça. A tecnologia encarregou-se dos avanços, até chegarmos aos pesados caminhões-pipa que hoje levam água para longínquos pontos dos municípios nordestinos.
Eles abastecem não apenas sítios e povoados. Grandes cidades, vez por outra, em ano de seca braba como a deste ano, têm no carro-pipa sua salvação. Isso é uma cruel realidade. Não faz muito tempo, Fortaleza viveu momentos de angústia com falta d’água potável, tendo de recorrer ao velho guerreiro caminhão-pipa. Campina Grande teve dias semelhantes, abastecida por dezenas de carros-pipa porque o Açude Epitácio Pessoa, quase seco tornava a água salobra, portanto, imprestável para consumo humano.
Bom, eu falei no início desta crônica que carro-pipa é instrumento político. Não pense o leitor somente no prefeito, no vereador, no cabo-eleitoral ou chefete da zona rural. Vai muito além dessa esfera mirim do poder. Quer um exemplo? Em 1986, ano de seca localizada, um simples caminhão-pipa quase provocava, um cisma nas hostes da chamada “Nova República”, aquela fajuta aliança do PMDB com o PFL para jogar a última pá de cal na ditadura, da qual resultou a eleição de Tancredo Neves presidente, que, como todo mundo sabe, caiu de bandeja nos braços de Sarney. Pois bem, nessa época a Sudene comandava as ações emergenciais contra os efeitos da seca. Por isso, o senador Luiz Viana Filho ligava dia sim dia não para o então superintendente Dorany Sampaio, exigindo um caminhão-pipa para abastecer um distrito do município de Campo Formoso. Dorany passou o “caso” para seu chefe de gabinete.
Na primeira conversa com o senador lhe revelei ter sido aluno do seu filho, o professor Luiz Viana Neto, na Faculdade de Direito da Bahia, abrindo por essa porta um clima amistoso com o insistente reclamante político baiano. Durou pouco, todavia, minha investida diplomática. O velho senador explicou que seu povo estava sendo discriminado, morria de sede, denunciava ser o chefe da Sudene na Bahia, agrônomo Paulo Lopes, seu desafeto, perseguia seus amigos etc. etc.. Fiquei cismado. Conhecia muito bem Paulo Lopes, com quem havia trabalhado em Salvador, técnico sério, competente, criterioso, probo, sem envolvimento partidário. Pedi então rigorosa investigação. Não demorou a chegar um relatório vindo do campo. Os habitantes do distrito estavam devidamente atendidos, não havia insatisfação no seio do povo, salvo um ponto: o carro-pipa do cabo eleitoral do senador Luiz Viana não fora incluído entre os contratados para os serviços de distribuição d’água… E o caminhão-pipa pleiteado era de suma importância para segurar os votos minguantes do senador naquela região, como ele mesmo me confidenciara… Por isso, o mundo quase vinha abaixo!
E o problema foi resolvido? Claro, o próprio chefe do escritório da Sudene na Bahia foi autorizado a ampliar a assistência à população do lugarejo. Com essa providência simples, o Senado da República deixou de ouvir veemente protesto contra a falta de carro-pipa no sertão da Bahia…
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