Calabar, herói nacional!
Por Mariana Moreira
Nestes tempos em que a sensatez parece se dissipar nas sendas da intolerância, das paixões desmedidas e no fundamentalismo arrogante e presunçoso assistimos, como espectadores e, em algumas circunstâncias, partícipes, de atos de selvageria que negam qualquer sentimento e sentido de humanidade. Atitudes que estão justificando e legitimando comportamentos segregacionistas e agressivos apenas pela cor de uma roupa, pela filiação partidária, pelo acesso a um programa social.
Tempos em que princípios éticos parecem deslocados e ressignificados a partir de outros paradigmas. Paradigmas que não mais se assentam na dignidade e no respeito ao outro, acatando as singularidades e particularidades que nos aproximam e nos individualizam a partir da cor da pele, da procedência geográfica, da origem social, da crença religiosa, da opção sexual.
Paradigmas que se legitimam na traição, na parcialidade intencional e na acusação antecipada e baseada em depoimentos cuja veracidade não é confirmada. Paradigma que despreza qualquer sentido de respeito aos indivíduos e a presunção de inocência que assegura a plena defesa e funciona como freio a postura autoritária e despótica. Paradigma que vislumbra apenas os holofotes midiáticos. Paradigma construído e sedimentado na pretensão de falsos arautos da dignidade e lisura, mas que escondem, atrás de togas e ternos, os pés de barros de heróis fajutos que se diluem no lodaçal da mentira e do ardil de tramas e tramóias.
Tempos em que o paradigma dominante é a delação premiada, uma ardilosa peça jurídica que premia os delatores. Através de uma espécie de “troca de favores” entre o criminoso e seu julgador, o primeiro, ao fornecer informações importantes sobre seus companheiros de crime, ou indique pistas que ajudem a solucionar o crime, pode receber o benefício da redução da pena. Esse artifício jurídico está assegurado em lei em nosso país. No entanto, a sua operacionalização vem se dando, na conjuntura atual, como moeda de barganha para a incriminação antecipada de pessoas que apenas são citadas por delatores. Muitos delatores, em circunstâncias determinadas e alimentados por rancores descabidos ou instigados por forças políticas incomodadas com as mudanças que determinada opção de governo vem imprimido ao Estado brasileiro, vinculam personagens políticos com o envolvimento criminosos. E, mais grave, essas denúncias ganham foro de verdade já que são abalizadas por figuras jurídicas e reverberadas na mídia.
A delação premiada, ou, pelo menos, o seu uso no atual contexto brasileiro, inverte valores quando subverte princípios. Ora, até mesmo os criminosos instituem códigos de honra e de conduta para seus parceiros e punem, com rigor, os traidores. A solidariedade, por mais enviesada que pareça, é um proceder exigido entre gangs, quadrilhas, bandos de malfeitores. Ser solidário é assegurar a sobrevivência do grupo e de seus integrantes. Trair é desajustar a confiança necessária para a coesão.
E, não nos espantemos se, em qualquer manifestação desses grupos que exaltam os delatores, não ouvirmos, berradas a plenos pulmões, a exortação: viva Calabar.
E nos resta apenas confirmar: que legal agora Calabar é nosso herói nacional.
Pois, como diz o nosso poeta mor Chico Buarque: Não existe pecado do lado de baixo do Equador. Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor. Me deixa ser teu escracho, capacho, teu cacho. Um riacho de amor. Quando é lição de esculacho, olha aí, sai de baixo. Que eu sou professor.
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