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Francisco Cartaxo

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Bolsonaro aplica a teoria do sofá

25/11/2019 às 10h20

Coluna de Francisco Cartaxo

Surpreende a mulher fornicando com um macho. Grita, esbraveja, ameaça matar os dois. O outro tenta abotoar-se, às pressas, desajeitado ganha o olho da rua. Então, o marido arma o braço para esmurrar a morena de cabelos em desalinho sobre a camiseta, os bicos dos peitos ainda entumecidos. Ele para a mão no ar. Arqueja. Respira fundo.

Deita os olhos no sofá… bate a porta com força. Ganha a rua. Sofá imundo! Grunhe entre os dentes. Perambula. Um sonâmbulo? Assim fosse, diz baixinho para si mesmo.

Um sonâmbulo não gritaria, garçom, uma cerveja bem gelada!

No frescor da geladinha, passa a remoer a cena. A cena e a vida. Que merda! Ela, a safada, ali na sala com aquele bosta… será que era costume, essa rotina de merda, de casa para o trabalho, do trabalho para a sorveteria, da sorveteria pro bar, do bar pra casa. Aí, amor, por que você demorou. Falsa. De ruminação em ruminação, Zé da Paixão tenta aliviar o peso, que agora lhe pesa na cabeça. Ainda bem que na porra desse bar não tem espelho. E precisa? Como entrar em casa essa noite? Sem condições. Ir para o cabaré? (Naquele tempo, sempre havia uma luz vermelha, uma porta aberta e uma puta à espera!) Afogar a angústia da descoberta, logo ele, que ganhara aquele apelido, graças a confidências etílicas, sussurradas em botecos, a paixão pela bem amada exposta assim e assado. Merda, merda, merda!

– O senhor falou, seu Zé?

Não, não, não… apenas estava pensando na vida. Pensara alto, certamente. Pediu mais uma cerveja e outra e outra mais. Aí, já conversava com o garçom, feito pluma!

Não dormiu em casa.

Dia seguinte, de cara amarrada, não dirigiu a palavra àquela safada. Falou foi para o marceneiro, seu amigo de muitos anos, que ele trouxera, ao sair do cabaré:

– O sofá é este aqui, Raimundinho, pode levar.

Com tão resoluto gesto, Zé da Paixão recobrou a paz. E demonstrou a teoria do sofá!

O presidente Jair Bolsonaro, às vezes, age como Zé da Paixão.

Assim fez quando decidiu editar, no dia 11 deste mês, a Medida Provisória 904, que manda para o lixo o DPVAT, a partir de janeiro próximo. DPVAT quer dizer, Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre, o conhecido seguro obrigatório. Aquela taxa paga pelos proprietários, todos os anos, quando da renovação do documento do veículo. Criada em 1974, permite ao governo arrecadar alguns bilhões de reais, que servem para cobrir indenizações de seguros, reforça o orçamento do Ministério da Saúde e a financia campanhas de prevenção de acidentes. Muitos gastos com acidentados de veículos, incluindo milhares vítimas de colisões de motos, são cobertos nos hospitais públicos com recursos daquela fonte. Se o Congresso não derrubar a MP 904… babau!

Por que Bolsonaro tomou essa decisão?

Seguiu recomendação do Tribunal de Contas da União, que identificou a existência de fraudes, repetidas, havia anos, na operação do sistema gestor e, também, para reduzir custos de supervisão e regulação do seguro obrigatório por parte do governo. O esquema de administração, mediante consórcio que reúne mais de 70 seguradoras, espalhadas por todo o Brasil, gera fraudes e milhões de ações judiciais que engarrafam, mais ainda, o poder judiciário.

Moral da história: tem fraude no caminho? Tira o sofá! Pouco importa o mal que acarretará.

P S – Dizem que Bolsonaro quer vingar-se do presidente do PSL, deputado Luciano Bivar, dono da Excelsior, uma das seguradoras do consórcio. Será?


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
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