Banda Cabaçal Os Inácios
Eu tinha visto homens tocando zabumba e soprando um pedaço da madeira cheia de buraco. Saíra para comprar qualquer coisa na bodega de Paulino. Voltei alvoraçado e disse: mamãe, eu vi uns matutos tocando pife!
– Não é pife, meu filho, é pífano.
Foi meu primeiro contato com uma banda cabaçal. Tremenda novidade para uma criança de menos de 8 anos. Aquela cena da infância me vem à mente, agora, ao ler o livro do mestre em linguística, professor do campus de Cajazeiras, da UFCG, Elinaldo Menezes Braga, Celebrações da vida: história e memória da Banda Cabaçal Os Inácios.
O livro de Naldinho Braga é condensação de dissertação de mestrado, portanto, possui viés acadêmico, citações de autores estranhos aos mortais. Precisava fazê-lo… senão deixaria de ser ciência! Ele narra a trajetória da Banda Santo Antônio à d’Os Inácios. Fala de alegrias e tristezas, de mortes e ressureições de uma banda de pífanos que nasceu lá atrás, no século XX, depois que uma família de agricultores pobres migrou de Bom Jesus, quando esse lugar ainda se chamava Aroeira, e foi se fixar noutro pedaço de chão mais ao sul de Cajazeiras. Várias gerações de Inácios sustentaram a tradição musical, animando rituais da Igreja Católica, batizados, casamentos, novenas, procissões e missas, além de festas comunitárias em vários lugares sertanejos. Tocadores e instrumentos rústicos a serviço do lazer e da religiosidade, entranhada na alma e nos sons de pifes e zabumbas, construídos por eles mesmos.
O Sítio Bé está no centro dessa saga.
O Bé e três protagonistas, Manoel Inácio e seus filhos José e Antônio, que extraíram da própria memória informações para Naldinho Braga armar o quebra-cabeça histórico. As lembranças desses três personagens, captadas pelo recurso metodológico da história oral, deu ao autor o fundamento para o exercício acadêmico de preservar a memória de uma das mais tradicionais manifestações da cultura popular no Brasil real.
De onde vieram as cabaçais?
Dos índios, do português colonizador, das tradições africanas incorporadas pelos escravos ou da música vinda da cultura árabe. Naldinho não entra nessa disputa meio diletante. Junta tudo na sua bolsa à tiracolo e mata a pau: cada uma dessas etnias trouxe seu adjutório para esse tipo de manifestação artístico-cultural. Ele completa: O importante é saber que ainda é possível verificar a existência de um grande número delas espalhadas pelo Nordeste brasileiro, contrariando aqueles que falam na morte da cultura popular.
Naldinho Braga afirma sem arrogância de mestre-sabe-tudo, mas com a convicção de quem viveu a desdita de ver, empoeirados e destruídos, os instrumentos no sótão. E, também, a alegria de ajudar a refazê-los, propiciando o renascer da banda, agora, com o nome de Banda Cabaçal Os Inácios. Ativista cultural, Naldinho deu força aos Inácios na reorganização da banda com novos tocadores, gravou, filmou, fez divulgação no meio universitário, levou a banda a João Pessoa, enfim, espalhou sons de zabumba e pifes em ambiente nunca imaginado pelos Inácios. Até na TV Futura.
Os Inácios reconhecem.
Pra gente isso é um orgulho humano. Não é querendo se crescer com isso não, mas pra gente que é pobre, que vive a humildade, e o mundo hoje tá reconhecendo nosso trabalho, é um orgulho.
Orgulho para Cajazeiras é Naldinho Braga, que deu voz a pifeiros silenciados pela história oficial. As bandas cabaçais precisam ser tratadas como patrimônio imaterial da nossa cultura.
P S – Naldinho Braga ocupa a Cadeira 15 da ACAL, cujo Patrono é Eugênio Pacelli.
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