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Francisco Cartaxo

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Atualidade de Eça de Queiroz

14/10/2019 às 08h12

Coluna de Francisco Cartaxo

Parece brincadeira. Mas é sério. A política brasileira anda tão esquisita, com autoridades exóticas, que é fácil associá-las a personagens marcantes da literatura. Ao reler Os Maias, de Eça de Queiroz, eis que me deparo com uma daquelas figuras de ficção, muito próximas de ocupantes de cargos públicos no Brasil de Bolsonaro.

Veja este diálogo entre o advogado João da Ega e o médico Calos da Maia, protagonista do romance, escrito em fins do século XIX, cuja trama se desenvolve em torno da relação incestuosa entre Carlos e sua irmã Maria Eduarda.

– “Ó Ega, quem é aquele homem, aquele Sousa Neto, que quis saber se em Inglaterra havia também literatura?

Ega olhou-o com espanto:

– Pois não adivinhaste? Não deduziste logo? Não viste imediatamente quem neste país é capaz de fazer essa pergunta?

– Não dei… Há tanta gente capaz…

E o Ega radiante:

– Oficial superior de uma repartição do Estado!

– De qual?

– Ora, de qual! De qual há de ser?… Da Instrução Pública!

Não ouso falar da obra de Eça de Queiroz. Simples leitor, quero apenas compartilhar emoções vividas ao reler Os Maias, depois de muitos anos. E o fiz com desusado prazer, sendo levado a ter em mente a contemporaneidade governativa brasileira, petulante, burra, ignorante, marcada por incrível mediocridade.

Por que a associação?

A ficção de Eça tem como contexto fundamental o Portugal do século XIX, vivenciado pelo autor, que nasceu em 1845 e morreu em 1900. Sua narrativa literária prima pela criação de personagens, tão bem caracterizados, que chegamos a confundi-los com figuras com as quais nos deparamos nessa fauna de políticos e intelectuais de meia-tigela.
Outra coisa, Eça de Queiroz também gerou fanáticos.

O ícone, o cara, genial… Mito!

Havia e ainda existe gente que o devora, como os romeiros do Juazeiro fazem com os cordéis que narram os milagres do padre Cícero. São os devotos de Eça. E não pense a jovem leitora que isso é coisa da época de minha mãe, aliás, apaixonada leitora eciana, que acendia vela para não interromper a ânsia de desvendar as armadilhas construídas pelo romancista português. Anos atrás, amigo meu abalou daqui do Recife para o Rio de Janeiro, a fim de participar de um jantar à imitação dos famosos jantares presentes em Os Maias.

Havia até o Clube dos Amigos de Eça de Queiroz! Reunia-se todos os anos, no dia 25 de novembro, dia do nascimento do ídolo! (Será que o clube ainda existe?). Isso cheirava à maluquice. Era a repetição da narrativa de Eça. Do forro das cadeiras à sobremesa, tudo, tudo era, exatamente, igual à cena descrita no romance do santo Eça. E o vinho? Ah, os vinhos e o conhaque! Nesses encontros, os fanáticos ecianos reproduziam frases inteiras do João da Ega, do conde Gouvalinho, do marquês, do embaixador. Os devotos recitavam também versos do poeta Tomás Alencar, bonachão, sempre com um copo na mão. Havia o senhor Guimarães, jornalista, republicano, carbonário, porém, misterioso, excêntrico, sombrio, talhado por Eça, na medida perfeita, para confirmar o segredo do incesto. Nem falo do protagonista Carlos da Maia, a suspirar por Maria Eduarda, olhos virados de emoção e saudade!

Imagino que o Conselheiro Acácio (saído às pressas das páginas d’O Primo Basílio) se infiltrava nesses jantares, para coroar a festa. Ali já estava o personagem Sousa Neto, o homem da Instrução Pública portuguesa. Quem? Ora, Sousa Neto, o contraponto ficcional do anódino ministro da educação de Bolsonaro, que, para ombrear-se ao Conselheiro Acácio só lhe falta a elegância professoral da frase empolada.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
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