As lições dos sapos
Por Mariana Moreira – Na rua em que eu moro alguns terrenos baldios formam pequenas lagoas. Na verdade, são pequenas, mas generosas, poças formadas com as chuvas que, neste período, bafejam os sertões com água, verde e densas nuvens. Poças que, protegidas pelo mata-pasto, pelas touceiras de algodão de seda, pelas moitas de capim, nos fins de tarde são povoadas por bois e vacas que pastam indolentes ao som monótono de seus chocalhos e indiferentes ao barulho de carros e gentes.
Mas, o que as pequenas lagoas trazem de mais encantador é a profusão de cantos de sapos. Sapos de vários tipos que, nas bocas de noite, entoam sons diversos como a festejar a natureza que se renova, mesmo que em ínfimos espaços. Aos minguados assistentes humanos que, despidos de sua pressa diária, freiam seus passos e deleitam seus ouvidos e ser com esta melodia se faz mais forte a convicção de que a vida, quando respeitada em seu trajeto natural, se faz novidade.
E no alto de uma torre, que a modernidade improvisa em ferro, fios, parábolas, um casal de carcará cuida do ninho e mistura seu estridente canto ao coaxar dos sapos enquanto alguns cães vira-latas que fazem das ruas seu habitat reviram restos de sacolas de lixo na vã esperança de algumas migalhas de comida que saciem, mesmo que minimamente, seus esqueléticos corpos. Emitem frágeis latidos e grunhidos, mas, como a respeitar a sequencia da natureza, também se calam e engrossam a assistência da sinfonia dos sapos.
Buzinas de automóveis quebram, com recorrência, o ritmo dos sons que se misturam ao ronco e barulho de máquinas e gentes apressadas em sua trajetória de seguir na direção de um qualquer lugar.
O silêncio da madrugada insone traz o som dos sapos que ainda mantem sua cantilena nas improvisadas lagoas dos terrenos baldios. Sem a concorrência de outros barulhos, naturais ou inventados, ele reverbera e ressoa mais longe e mais límpido. Com mais cuidado e conhecimento se é capaz, então, de identificar a espécie produtora do som. São sapos cururu, pererecas, caçotes, rãs, um ou outro não identificado, mas que, nos pequenos espaços das poças de água, se agregam num mesmo movimento, dissipando diferenças e associado diversos em uma única versão: a natureza.
E, ousando sonhar com o poder que transforma, decreto que em todas as ruas de todas as cidades existirão sempre terrenos baldios onde sapos, bois, carcarás nos tragam, em seus sons, voos, mugidos, a lembrança da vida como expressão da natureza que, mesmo acanhada em uma pequena poça de água, se renova e nos atualiza a relevância do viver e, assim, de sermos nós também passageiros dessa aventura chamada terra.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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