Angústias da estudante de medicina
Por Francisco Frassales Cartaxo
Filha de paraibano e de mãe pernambucana, Manuela Chianca estuda em Brasília e espera concluir o curso de medicina, no próximo ano. Trabalha no Hospital Universitário de Brasília (HUB-UnB), onde, na condição de interna, participa de atividades peculiares ao atendimento médico-hospitalar, cumprindo com seus colegas tarefas básicas, pesadas. Carregam piano… Conhece de perto a cruel realidade da vida dos pacientes, a dor, o sofrimento, os dramas, as agruras, a morte. Curte, obviamente, alegrias e momentos de felicidade. Assim, ela agrega experiência prática no contato direto com a diversidade de problemas de doentes e familiares, o que também lhe propicia recompensas emocionais.
Com rara sensibilidade, nos seus vinte e poucos anos, Manuela dividiu com amigos do facebook tristezas, dúvidas e angústia, nascidas na vivência de seu dia a dia hospitalar. Um alívio para a alma, que transcrevo abaixo com sua expressa autorização que me chegou acompanhada desta ressalva:
“Tio, não fiz nada revisado e confesso que faz tempo não consulto a gramática”.
Sou tio por afinidade com ela e seus pais, sendo Manuela amiga de minha filha, Maria Eduarda, desde a alfabetização. Ao desafogar a alma, sem nenhuma pretensão literária, Manuela falou com amor, da vida e da morte, trazendo-me à lembrança o escritor mexicano, Juan Rulfo, autor de Pedro Páramo, que assim resumiu o vasto campo da literatura: “Não existem mais que três temas – o amor, a vida e a morte”.
Eis o singelo texto de Manuela.
O corredor da enfermaria é comprido e de cada lado surgem portas com leitos de pacientes, quatro em cada um. No fim dele, há uma janela de vidro, que cobre do teto até o chão, mostrando uma frondosa árvore, que confesso nunca ter visto do lado de fora do Hospital. Pensando bem, deve ser uma espécie de miragem: os pacientes colocam uma cadeira lá e ficam conversando com os parentes a observá-la.
Em cada leito é uma história que se forma. A menina de um 1,60m que pesa 23 quilos morre de saudade de seus irmãos pequenos, que não têm dinheiro de uma passagem para vê-la; a mãe triste com o recém diagnosticado câncer de pulmão e o seu filho com olhar cândido brincalhão ininterrupto; o cadeirante abandonado, enfezado na alma e no corpo, que encontra no leito ao lado o amigo da pelada de 25 anos atrás; a senhorinha calada e com olhar de pidão que abriu um sorriso e pegou na minha mão ao ganhar a permissão de comer pizza no hospital…
De cada quarto daquele corredor formam-se raízes de vida em meio ao mundo da morte. Raízes que formarão o tronco das folhas verdes vistas daquela janela. É a pulsão de vida dentro da morte.
Todos os dias, subo aquelas escadas que antecedem o corredor tomando fôlego. Dispo-me ao me encapar com o jaleco. A dor ecoa no som timpânico à percussão dos abdomes da enfermaria e as evacuações são diárias e fisiológicas, mas há vômito de perguntas sobre a cura que não virá. A angústia dessa vivência diária é imensa… Algumas agonias se acalmam, outras são suscitadas e as demais, elaboradas. Confesso que viver a morte sem tempo de ver ou falar com meus amigos é difícil, mas acho que o que me move diariamente é o laço criado com cada um dos pacientes. Sem isso, eu não teria energia de prosseguir. Eu continuo minha caminhada médica graças à vida que eles me proporcionam.
Espero um dia ser como os mestres da UnB, que admiro, e falar de morte com serenidade.
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