Amores, vingança e mortes no sertão (4)
Por Francisco Frassales Cartaxo – Punhal ou faca? Assim nasceu amistosa discussão entre João Alves Carvalho e Brites Manoela, quando os dois amantes desnudaram sua paixão. A astúcia do narrador faz de divergência banal o prenúncio de morte, só executada no final do romance.
O irmão, padre José Alves Carvalho, comandava a fazenda Umbuzeiro, ao lado de Páscoa, a indiazinha que escapara de massacre praticado num dos aldeamentos de religiosos portugueses, onde ela nascera. Criada como filha, Páscoa passou a mulher, possuída na rede ainda menina-moça, depois, mãe de dez filhos. Viviam os dois na mansidão sertaneja, executando rotineiras tarefas, ele, as de sacerdote dono de terra, gado e escravizados. Aqui e acolá, a Igreja o convocava para “compor uma junta da Inquisição”, e julgar “em nome da moral cristã e da pureza da fé os acusados de mancebia”.
E o irmão João Alves de Carvalho?
Mal pisava em sua fazenda Bebedouro. Quase não via a filha que fizera em Catarina, a esposa “negociada” pelo pai, Antônio Alves Carvalho, senhor de engenho falido, com o potentado Francisco Ferreira Ferro, dono de muitas terras na zona úmida de Pernambuco e no distante sertão cearense. Para povoá-las precisava alargar a família. João tinha perfil para o mando, tanto que, mais tarde, quando investido na autoridade de sargento-mor, revelou-se sagaz, agressivo, frio, perverso, ganhando notoriedade, igual a seu lado aventureiro e frívolo.
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Enquanto o irmão padre mourejava no sertão, João vivia no mundo, a transportar gado, peles e algodão para o Recife, de onde trazia mercadorias vindas do reino. Os encantos da paixão feminina o fez mais trapaceiro ainda. E o leva aos Inhamuns em sinuosa viagem, com propósito criminoso, que o ardiloso narrador transforma em inusitada aventura, cheia de lutas, doenças, nuanças religiosas e místicas.
A grandeza narrativa de Rio Sangue adquire então lances de romance policial, tantas são as situações criadas, com interferência de muitos personagens, visões de origens africanas e nativas. Vive-se então no ambiente favorável às histórias de tangerinos, viajantes, o velho costume sertanejo das conversas no terraço e na cozinha da casa-grande. Ronaldo Correia de Brito – médico clínico com formação psicanalista, dramaturgo, intelectual erudito, autor de quatro romances, cinco livros de contos, dois de crônicas e alguns de teatro – combina tudo isso com a vivência do menino que cresceu ouvindo histórias de séculos de mando, guerras de famílias, traições e mortes. Daí ter sido levado a “inventar” dona Ritinha de Brito, a prima com quem compartilhou dúvidas, inquietações acerca do assassinato. E do final de vida do matador.
Como simples leitor, afasto avaliações sofisticadas. A mim interessa saber quem matou quem, como matou e que fim teve o assassino. Por isso, limito-me a transcrever as últimas frases do romance Rio sangue:
“Nada mais se ouve na noite escura. Os gritos nascidos num quarto sem janelas silenciaram”.
Da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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