Amores, vingança e mortes no sertão (3)
Por Francisco Frassales Cartaxo – O psicanalista Ronaldo Correia de Brito nasceu e passou a infância nos Inhamuns, ouvindo histórias contadas por familiares, moradores, vaqueiros, gente da cozinha da casa-grande. Como teatrólogo, tornou-se popular no Recife com O baile do Menino Deus, apresentação teatral que se repete a cada Natal, todo santo ano, há 30 anos! Já publicou seis romances, livros de contos, quase todos enraizados no tempo de menino.
Sua escrita reflete de sua alma, impregnada de imagens, cenas e vozes. Perspicaz, Ronaldo afasta do comando o intrometido narrador onisciente, dando vozes, sotaques, visões de atores “esquecidos” pela maioria dos estudiosos da formação histórica do Brasil. São as falas dos invisíveis, que, se não fazem a singularidade de Rio sangue, amplia sua grandeza.
Mas cadê o padre José?
Ora, ora, espreita Micaela desde sua chegada, fugida de aldeamento indígena dos jesuítas, num Domingo da Ressureição, “assustada e suja, sem roupa (…) Os cabelos um emaranhado de gravetos, folhas secas e terra”. Com o novo nome de Páscoa se tornou filha de padre José. Filha? Filha e mãe de dez filhos! Páscoa escapara de um dos massacres dos índios jucás, da grande nação cariri, praticado por duas poderosas famílias dominantes da ribeira do Jaguaribe. Uma delas dos ancestrais de José Alves de Carvalho, um dos herdeiros de sesmarias, mandado para o Seminário da Bahia, orientado pelo bispo de Olinda. O sertão, para onde depois foi empurrado pela família, deu a José tarefas bem mais complicadas do que salvar almas: cuidar com amor de terras, gados e gente.
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O olhar de José alimenta sua mente.
Só enxerga a menina Páscoa, a rede por ela tecida, o quartinho onde dorme. O macho vive em agonia, vendo aproximar-se o pecado da carne. Seu irmão João, já então revestido da autoridade de sargento-mor, dá ordens, surra e mata, casa e batiza. José sofre a angústia de ver, todos os dias, noite e dia, a menina transmudar-se. Até que, vencido o rito de passagem da menina-moça, em noite insone “Nu, descalço, a vela branca do corpo iluminando as sombras, José segue ao lugarzinho onde Páscoa arma a rede e descansa. Penetra o corpo da índia jucá e foge ligeiro.” Retorna ao quarto e só então “À luz da lamparina nota sangue vivo em suas partes de homem.”
Depois foi só remorso e falsidade.
Padre José leva a grávida para a casa de primos, onde nasce e fica vivendo Madalena, sob gritos de revolta da mãe. A partir daí, Páscoa vai ganhando barriga até o décimo filho. Padre reprodutor não é novidade no Brasil colonial e do Império. Em Rio sangue, porém, vozes de personagens como a índia Páscoa, o escravizado Fabião (nascido como Kayin), trazido da África já com o ferro do seu novo dono, a gente da cozinha.
E sargento-mor João por onde anda?
Sócio da Academia Cajazeirense de Artes e Letras
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