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Francisco Cartaxo

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Amores, vingança e mortes no sertão (2)

19/11/2024 às 19h53

Coluna de Francisco Frassales Cartaxo

Por Francisco Frassales Cartaxo – Ronaldo Correia de Brito tece com fios o enredo do romance Rio Sangue como fazem as rendeiras de bilros, com uma diferença, elas manejam os bilros com destreza, enquanto o narrador acaricia cada palavra, cada frase, cada gesto dos personagens. E cria olhares insinuantes, até mesmo do bispo, para seduzir o leitor.

Em época de opulência no Recife, a desejada Brites Manoela só descia ao primeiro andar de seu luxuoso sobrado, quando homens ansiosos esperavam vê-la, exuberante, no seu vestido de seda, o corpete a realçar o volume dos peitos, o leque aberto coroando o charme exibido à cobiça de todos.

Naquela noite, os olhos verdes de Brites só enxergaram João!

João Alves de Carvalho lá estava, nem bem chegara dos Inhamuns, via porto do Aracati, enquanto seus tropeiros transportavam fardos de carnes e couros pelas estradas das boiadas. A pele queimada de sol, vasta e cacheada cabeleira ostentam a beleza selvagem de João, que logo se mistura ao refinamento da cortesã mais famosa da Capitania de Pernambuco. Pouco lhe importa nunca ter ouvido falar de Eros e Psiquê, ao ser advertido, já nos aposentos, “não me queime”, quando, enlouquecido, de vela na mão, João “investiga o corpo despido da amante, a pele branca, os pelos eriçados, o púbis alto e peludo”.

Murmúrios encheram o Recife.

Brites e João desfilam pelas ruas. Num domingo navegam pelo rio Capibaribe até o Poço da Panela. Ela lhe mostra as ruínas do engenho de Anna Paes, onde outrora portugueses e holandeses se enfrentaram. A baiana Anna Paes encanta Brites. Dona de si, forte, determinada, embora seu destino lhe fuja do controle mercê dos costumes da época. João fica aborrecido ao sentir o entusiasmo da amante com a jovem viúva que, não podendo casar-se com Maurício de Nassau, dominou um puxa-saco do príncipe.

O casamento de João resultou de negócio de soma patrimonial. Diferente foi o da irmã, Ana Maria, com Bernardo, “um rico fidalgo de meia idade”, de origem judia. Essa descoberta o complicou, de modo que, além de muito churrasco e vinho na casa do futuro sogro, João teve que interferir. João? Sim. Ele foi cobrar antigos favores prestados ao bispo de Olinda, a fim de livrar o noivo das garras da Inquisição.

O narrador conta como foi.

Os irmãos portugueses Antônio e Fernando, e esposas, levaram João e José quando foram pedir conselhos ao bispo, sobretudo, pela má conduta de Inês, filha de Fernando, por se deixar deflorar… O bispo enxergou o adolescente João ao mirar “um ponto entre as coxas do rapaz, onde sobressaía na calça apertada o seu dote”. Olhares entre os dois levaram o bispo a convidar João a viajar com ele, como “ajudante de quarto” com o “direito de dormir no mesmo aposento do bispo.”

Por esses favores, aliás, repetidos, os créditos acumulados por João permitiram ao poderoso e honesto o bispo livrar o futuro cunhado dos rigores inquisitórios!

– E José, cadê José?

– O padre?

Está nos Inhamuns, onde reza, batiza, cria gado e filhos.

Sócio da Academia Cajazeirense de Artes e Letras


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

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Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

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