Amores, vingança e mortes no sertão
Por Francisco Frassales Cartaxo – Rio sangue (Rio: Alfaguara, 2024), vem juntar-se a dezenas de contos, peças de teatro, romances, ensaios e crônicas de Ronaldo Correia de Brito. Tal qual Galiléia, seu romance de estreia, em Rio sangue ele marca com nomes de personagens 44 dos 55 capítulos. Por quê? Imagino ser recurso para tornar mais leves intricadas situações criadas no desenrolar da narrativa. Narrativa nada linear. Tudo começa com a menção a uma carta, enviada de Pernambuco a Portugal, lida e relida “até gastar o papel nas dobras”, pelo pai de José e João, os protagonistas do romance. Nela se diz:
Venda o que possa virar dinheiro. Qual o futuro daí? Uma nesga de terra estreita onde o boi come e caga no quintal do vizinho. Cá sobra terra sem dono, os nativos são preguiçosos, caçam, pescam e folgam, pouco cultivam. (…). Traga o dinheiro restante. É preciso adquirir negros, sem eles o engenho não mói. Não esqueça a carta de concessão, bem guardada e protegida. O resto é por conta de Deus e da gente. A lei somos nós que criamos. O patrício Duarte Coelho deu o exemplo logo que chegou por aqui há quase duzentos anos.
A carta selou a decisão do pai de José, João e Ana Maria de vir para o Brasil. José se tornou padre e fazendeiro; João, dono de muitas terras, gente e gado. Os dois protagonizam ações, vividas em cenários históricos e geográficos no Recife, na zona de cana-de-açúcar, “na sesmaria, um reino de lonjuras e pedras silenciosas, que educam a não falar”, no sertão dos Inhamuns.
Após séculos, Ronaldo fala.
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Nascido em Saboeiro e educado no Crato, antes de vir estudar medicina no Recife, pesa na memória de Ronaldo Coreia de Brito forte herança familiar, cheia de vingança, emboscadas, tiros, facas, mortes. Tempos de lutas por mais terras e poder, traições, muito sangue, no reino onde a lei somos nós que criamos. O autor molda personagens ativos do processo de colonização que adentra o sertão para ocupar imensidão de terras, doadas na carta de concessão, trazida do Reino, bem guardada e protegida.
O roteiro da ocupação é pretexto para o autor esmerar sua arte de bem definir seus personagens. Assim emergem senhores de engenhos decadentes, nativos, escravizados, curandeiros, vaqueiros, índias, prostitutas. Surge em cenas de sedução, a pecadora espanhola Brites Manoela, enroscada com João no devasso clima do Recife colonial. Longe dos olhos da Igreja, o padre José rompe o celibato em amores selvagens na solidão sertaneja. A essas cenas, Ronaldo imprime sensibilidade literária, livrando o leitor de vulgaridades.
Mas isso só na próxima semana.
Sócio do Instituto Histórico e Geográfico Paraibano
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