Alamedas da eternidade
Meu pai está sepultado no Cemitério Coração de Maria e constantemente vou “conversar”, me aconselhar, ouvi-lo, pedir opinião sobre os meus negócios e fazer comunicações. Esta semana fui visitá-lo para dizer-lhe que meus netos pernambucanos, Mateus e Camilo, estão em Cajazeiras e como eles ainda não podem fazer visitas a cemitérios fiz as suas vezes. Pedi que os abençoassem e os protegessem.
Concluída a minha visita fiz, como de costume, outras com o olhar sobre o passado dos homens e das mulheres que ajudaram a construir esta cidade. Diante do túmulo de Cristiano Cartaxo li o que está gravado em mármore a sua “Ascensão”, bela poesia, que expressa toda a sua grandeza como poeta:
“- Atravessaste o vale, a planície florida
Absorto na visão dos encantos da estrada.
Eis agora ao sopé da montanha da vida,
Que irás subir a fim de alcançar a chapada.
Coragem moço! Eu sei que é íngreme a subida.
Que importa? Vencerás, passada por passada,
Para a glória de o sol beijar-te a fronte erguida.
– E depois? – é a descida, é a morte, é a volta ao nada…
Mas, tanto que atingi o cimo da montanha,
A fronte em suor, os pés em sangue, as mãos em brasa,
Senti que mergulhara em claridade estranha.
E a verdade esplendeu em toda a intensidade:
É uma ascensão a vida! Eu necessito de asa
Para me erguer mais alto em rumo à Eternidade!”.
Bem próximo do túmulo do poeta está sepultado Justino Bezerra símbolo da força do coronelismo que o fez prefeito de Cajazeiras. No interior da capela, na nave central, jaz Monsenhor Constantino Vieira, educador emérito de gerações e guia espiritual de muitos cajazeirenses. A direita de quem entra estão sepultados: Monsenhor Sabino Coelho, sacerdote responsável pela reabertura do Colégio Diocesano Padre Rolim, em 1903 e da criação do patrimônio, após andar 400 léguas a cavalo, para instalação da Diocese de Cajazeiras, homem que segundo Monsenhor Vicente Freitas, tinha sido o maior entre todos os sacerdotes que contribuíram com o crescimento de Cajazeiras e vizinho está Bosco Barreto, que prefiro relembrar da sua fase revolucionária, subversiva, de “inflamador” e condutor de multidões em busca de justiça social, do homem perseguido pela “Revolução” de 1964, o conspirador e político de oposição.
É neste cemitério que está sepultado o americano John Hanififlin, morto em um duelo, em 1923, quando participava da construção do açude de Boqueirão, por um mestre de obra, cuja mulher o americano queria conquistar.
Fui ainda ao túmulo de seu Chiquinho Oliveira, o homem mais inteligente que esta cidade já teve, autodidata e mestre dos mestres diante de um torno mecânico. No túmulo majestático da família Matos está sepultada uma das mulheres que mais projetou esta cidade: Ica Pires – a atriz, a diretora de teatro, a extraordinária declamadora, a radialista e contestadora que sempre esteve à frente de seu tempo e que não tinha medo de “topar” os donos do poder para defender Cajazeiras.
Caminhando pelas alamedas tortuosas do Cemitério Coração de Maria, inaugurado em 1866, para substituir o cemitério Coração de Jesus, fundado por padre Rolim em 1838, se constituindo no mais antigo cemitério da Paraíba, lendo o que está escrito nas lápides dos túmulos relembramos muitos fatos, misturados e entremeados de saudades da história de nossa cidade.
Parece meio estranho, mas todas as vezes que visito o cemitério Coração de Maria, sinto como se estivesse andando pelas ruas de Cajazeiras, vivendo a sua história, muito embora “é a descida, é a morte, é a volta ao nada…” ou é o “rumo à eternidade”, como canta Cristiano em sua “Ascensão”.
Nas alamedas da eternidade, os rastros da saudade e das eternas lembranças dos nossos entes queridos, na certeza de que no amanhã seremos nós os habitantes destas alamedas!.
Neste dia 02 de novembro, as saudades dos muitos amigos que já se encontram no céu e a certeza do nosso reencontro nas vielas da eternidade.
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