A voz do silêncio
Por Mariana Moreira
Ouvir as vozes do silêncio. Nestes tempos de vida apressada e instável essa atitude parece extemporânea, desproposital e insana. Afinal, como o silêncio fala se o dicionário o define como a “ausência ou cessação de barulho, ruído ou inquietação”? Mas, o recolhimento e o silêncio são imprescindíveis e necessários como experiência de crescimento e conhecimento, sobretudo, de nós mesmos.
A experiência do silêncio é uma prática comum e essencial para o nosso conhecimento enquanto pessoa e, assim, estabelecermos limites e potenciais. Os monges ou anacoretas, como se designam a depender da crença, justificam e explicam a importância e o valor do silêncio como a possibilidade verdadeira de vermos a nós mesmos. Não como mero reflexo de um espelho, mas como resposta dos sons, imagens, ruídos, murmúrios, vozes que estão encravados e entrançados em nosso interior como gavetas de vivências e relações que, cotidianamente, vamos experimentando e arquivando em pastas e caixas esquecidas no empoeirado armário interior, na tentativa de esquecer ou apagar dores, sofrimentos, mágoas, saudades.
Mas, viver o silêncio é essencial para dar voz a nós mesmos. Quando ficamos em silêncio escutamos o coração que pulsa no ritmo da vida, deixando extravasar todas as mazelas que, no afã da vida, vamos juntando como patrimônio indesejável. Conseguimos, em silêncio, ouvir o suspiro de nossa respiração oxigenando ideias, artérias e veias, arejando cérebro e dilatando pulmões. E, em silêncio, também conseguimos situar no mesmo compasso o bater do coração do irmão ao nosso lado, respirar no mesmo movimento e, surpreendentemente, descobrir o mistério da irmandade que nos assemelha e aproxima a revelia das distâncias e diferenças impostas culturalmente pela cor da pela, pelo credo, pela situação econômica.
Ficar em silêncio é um exercício que nos permite ouvir o silêncio alheio expresso no ruído do vento trazendo movimento para folhas, na brisa sorrateira que espalha pelo ar a dádiva dos odores da terra molhada pela chuva, da rosa desabrochada no sereno da madrugada. Ficar em silêncio nos permite ouvir o som de um galo de campina rompendo a madrugada e tecendo o dia, de um sabiá que, vencendo a desordem urbana, faz o ninho no emaranhado de fios elétricos e, entre buzinas, correrias e ronco de motores, através do canto eleva uma mensagem de tributo a vida e a natureza.
Ficar em silêncio não é uma atitude individualista ou egoísta. Mas um dos mais surpreendentes gestos de partilha e de multidão. Ficar em silêncio é vê a face escondida do outro nas mulheres violentadas, nos rotos esfarrapados pela droga, nos excluídos anulados pela concentração da riqueza e pela manipulação do poder. Ficar em silêncio é ouvir a voz emudecida dos índios massacrados pela expansão do agronegócio, dos homossexuais, travestis, lésbicas assassinados pela voz arrogante do mundo masculino e heterossexual. Ficar em silêncio é alimentar as forças para romper o silêncio da injustiça que segrega, divide, oprime.
O silêncio é a voz necessária e parceiro inseparável da paz.
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