A voz de uma mulher
Por Mariana Moreira – O corpo longo, franzino e retilíneo destoava da média das meninas sertanejas, de estatura mais acanhada. No olhar um misto de determinação e coragem, alimentadas pelo latente desejo de ver a terra de alguns convertida em terra de irmãos.
Conheci Socorro Gouveia no início da década de 1980 quando, recém formada em Comunicação Social, iniciei minha atividade profissional em emissoras de rádio de Cajazeiras, e como correspondente de jornais da capital.
A Diocese de Cajazeiras começava a organizar, sob a coordenação do Padre Domingos Cleide, a Pastoral Rural, que nasce tangida pelos ventos renovadores da Teologia da Libertação, sob a égide da “opção preferencial pelos pobres”, e que, logo depois é substituída pela Comissão Pastoral da Terra, a CPT-Sertão. Vivíamos os momentos derradeiros da ditadura civil militar e, em alguns municípios do sertão paraibano, tinha início a luta pela reforma agrária em áreas públicas desapropriadas em décadas anteriores, quando dos programas e ações governamentais das grandes obras hídricas de combate as secas.
Áreas ocupadas, há décadas, por grandes latifundiários que, sob as benesses do Estado e de seus administradores, engordavam seus fartos rebanhos, nas férteis terras situadas as margens dos grandes açudes e contempladas pela água e pela pastagem, enquanto milhares de sertanejos minguavam de sede e fome, espichando os olhos para a promessa da Canaã ocupada. Situação magistralmente registrada por Antônio Callado e seu clássico “Os Industriais da Seca e os Galileus de Pernambuco”.
E encontro Socorro Gouveia na coordenação da CPT-Sertão mobilizando e articulando os agricultores em Triunfo, em Paulista, em Jericó. A encontro sempre nestas pelejas e a vejo como uma mulher que, injetando nas veias o sentimento de justiça e liberdade, mobiliza e lidera homens e mulheres em caminhadas e mobilizações na defesa da terra como lugar de produção de vida e de dignidade. Uma caminhada, muitas vezes, abrupta e violentamente interrompida ou ameaçada pela força pusilânime de jagunços e grupos militares que, na defesa da “ordem”, ameaçam, agridem, silenciam, matam aqueles que enxergam a ordem como uma parceira da justiça.
E fomos parceiras, Socorro Gouveia, na articulação para a ocupação da Fazenda Acauã, a primeira ocupação de terras privadas no Alto Sertão Paraibano. Nas silenciosas reuniões na regional da AMPEP, nas mobilizações para o apoio aos agricultores que, nas várias expulsões, montaram barracas as margens da BR. Mais tarde, te encontro moradora do assentamento e me acolhendo em tua casa, quando da minha pesquisa de Mestrado. E não te perdi de vistas quando organiza as mulheres do assentamento e forma a Cozinha das Delícias, numa fantástica promoção de protagonismo feminino.
Mas, hoje, Socorro Gouveia, não te encontro mais em Acauã, na CPT-Sertão, na Cozinha das Delicias, na ASA-Paraíba.
Nos deixaste e como Helder Câmara, Pedro Casaldáliga, José Maria Pires, Josimo, Margaria, integra o coro de anjos que, do alto, continuam a nos inspirar a prosseguir na luta por terra, vida e dignidade.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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