A serena morte de Ilina Cartaxo
Por Francisco Frassales Cartaxo
Poucos dias antes de morrer, na noite do dia 3 de julho, Maria Ilina dava sinais de que estava prestes a despedir-se da terra. Que sinais? Entretinha conversas com seus pais, Cristiano Cartaxo e Isabel Sales. E o fazia com a naturalidade de filha, na convivência sob o mesmo teto ao longo de nove décadas, muito embora o pai houvesse morrido em 1975 e a mãe em 1996. Os sobrinhos Cili e Ciro Rolim, com quem Ilina morava em Cajazeiras, testemunharam esses colóquios imaginários. Era um encanto, como se a aproximação da morte produzisse nela a ânsia do confortador reencontro com os entes queridos. Essa sua conduta nos últimos dias expressava de maneira fantástica o mistério da morte. No fundo tão extraordinário quanto o mistério da vida, sobretudo no instante em que os dois fenômenos se afunilam na convergência final da falência dos órgãos vitais do ser humano.
Seria manifestação esquizofrênica?
Não creio. Ilina carregava, é bem verdade, o diagnóstico de esquizofrenia desde a adolescência. A doença, no entanto, não a impossibilitou de exercer, em caráter permanente, a função de professora, a partir da colação de grau em novembro de 1941, turma 19ª do Colégio Nossa Senhora de Lourdes, de Cajazeiras. Na mesma solenidade também prestaram juramento, entre outras colegas, Rosilda Cartaxo, Rita Assis, Maria Cavalcanti, Erotildes Holanda, Iracema Andrade, Laurita Pires, Stela Pires de Sá, Maria das Neves Pereira, Luci Cartaxo Leite, Yeda Campos Cirilo e Nilza Alencar. Ilina deu aulas em estabelecimento de ensino público e chegou a realizar, no Rio de Janeiro, um curso de especialização em pedagogia e artes manuais, na então famosa Escola Parque, salvo engano, uma criação do baiano Anísio Teixeira. Foi Ilina quem me alfabetizou. Só depois fui ampliar minhas primeiras letras com Carmelita Gonçalves, minha eterna e inesquecível professora, e logo em seguida com as irmãs Nicéia e Lindalva Claudino, estas às vésperas do exame de admissão ao ginásio.
Ilina era nossa irmã mais velha, a primeira filha do segundo casamento de meu pai com dona Belinha. Carregava no nome o peso do apelido da primeira esposa de Cristiano Cartaxo, Idalina Matos Cartaxo (Ilina), filha do coronel Joaquim Matos. Doze foram os filhos do casal Cristiano/Isabel: seis mulheres e seis homens. O último rebento, João Evangelista, faleceu em dezembro de 1947, com apenas seis dias de nascido. Fim de rama, costumava dizer o poeta, já então sexagenário! Hoje estamos reduzidos a seis irmãos vivos, no equilíbrio de três para cada sexo, assim: Nanza, Isa, Higino, Joana, Tantino e Frassales, nominados pelos apelidos.
Ilina morreu em clima de muita serenidade.
Mês passado sofrera um enfarto no miocárdio, do qual saiu sem maiores sequelas ou desconforto insuportável. Viveu dias de fragilidade, aliás, normal na sua idade, quase 93 anos, que completaria em 17 de agosto. Quatro horas antes do desfecho, ela fizera pequena refeição e até pedira mais biscoitos, me disse dona Joaninha… Instantes depois, Cili a confortou com palavras e carinho, já pressentindo claramente sua iminente despedida deste mundo. Assim ocorreu. Era quase meia noite de sexta-feira, dia 3 de julho. Tudo se deu, nos derradeiros momentos, com a serenidade de uma garça que alça voo para a eternidade. O corpo foi sepultado no Cemitério Coração de Maria, sábado à tarde, no túmulo onde repousam outros entes da família.
PS – A “Operação Andaime” puxou o fio da meada. A casa caiu. Ficou o andaime com muitos arquivos virtuais, gravações telefônicas incriminadoras e dez suspeitos presos preventivamente. Por enquanto.
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