A roça do padre Francivaldo
Por Francisco Frassales Cartaxo
Padre Francivaldo Albuquerque e seus parentes revigoram suas propriedades rurais. A família luta para dar novo sentido econômico à terra, aplicando tecnologias simples, adaptando-as à secura do semiárido, para bem produzir na seca legumes, frutas e verduras. Recorre a técnicas de irrigação que privilegiam o uso racional do fator escasso, a água, e combina com diversificação da lavoura e criação de animais. E avança rumo à produção artesanal de queijo e polpa de fruta. Qual o segredo? Vontade de trabalhar com os pés no chão. Utiliza na irrigação o gotejamento, economizando água, que é racionalmente armazenada. Junte-se a isso, a reconhecida capacidade de trabalho, a esperteza da família e antiga vinculação ao amanho da terra. Por isso, em plena seca, fornece ao mercado consumidor de Cajazeiras legumes, frutas, verduras e outros produtos. Segundo Francivaldo, essas atividades geram dezenas de empregos e receitas que compensam as canseiras do trabalho.
A experiência não é pioneira.
E daí? Há milhares de famílias espalhadas no semiárido nordestino que batalham para conviver com a seca, contando com o apoio e o entusiasmo de técnicos e entidades, como a Articulação do Semiárido (ASA), de instituições estatais bancárias e assistenciais. Agora, o não pioneirismo não retira dos irmãos, tios, sobrinhos, parentes e aderentes de Francivaldo, o mérito de sua ação. Ao contrário, deve ser exaltada para servir de exemplo a muitos agricultores familiares dispostos a dar à terra árida do sertão uso racional no verão e, sobretudo, em períodos de seca prolongada. Sem sofisticação teórica.
Durante anos, fui lotado no ETENE, departamento de estudos e pesquisas do BNB voltado para o desenvolvimento do Nordeste. Aí pela década de 1970, técnicos do setor rural, passaram anos pesquisando a realidade do semiárido, tentando dimensionar uma propriedade-padrão que tivesse viabilidade econômico-financeira. Para isso, teriam que usar variadas técnicas agrícolas e pecuárias pouco conhecidas do agricultor. Salvo engano, a equipe chegou à esta conclusão: o tamanho ideal da propriedade é de 100 hectares. Abaixo disso, cultivá-la seria inviável, portanto, não passível de apoio financeiro! Eu achava aquilo um tremendo desperdício de tempo e dinheiro. Meses de masturbação técnica! Síntese do estudo, porém, foi divulgada em livro e, imagino, deve ter rendido aos autores rasgados elogios!
Na época, eu alimentava forte receio.
Ora, fixar o tamanho mínimo da propriedade no semiárido, para viabilizá-la econômica e financeiramente, poderia resultar em normas bancárias de enquadramento de empréstimos agropecuários. Se a propriedade candidata ao crédito não tivesse 100 hectares, nada feito. Pense na estupidez! Meu pressentimento tinha razão de ser. Vivia-se ainda na ditadura e, às vezes, coisas assim eram abraçadas com entusiasmo como solução genial para desenvolver o sertão nordestino, muito embora a genialidade implicasse em desprezar a cultura secular de nosso povo, os saberes populares acumulados ao longo dos séculos.
Ainda bem que a asneira não pegou.
Os caminhos são outros, como este adotado pela gente de Francivaldo: aproveitar o que a terra pode oferecer, agregando tecnologia simples à prática milenar da agricultura de vazante, contando com o adjutório técnico disponível. Nada de inventar novidade, como aquela fantasia da propriedade-padrão do BNB, felizmente, hoje esquecida em alguma estante cheia cupim.
Veja a reportagem da TV Diário do Sertão sobre a fazenda Javigor
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