A política Antimanicomial e a nova indústria da loucura
Por Saulo Pericles Brocos Pires Ferreira – Meus caros leitores, se é que ainda existem. Eu estou de volta de um longo e tenebroso inverno passado em uma clínica de recuperação de dependentes químicos, logo depois de ter sido sequestrado em minha casa e passado mais de um mês num cárcere privado ate que minha família compreendesse da minha real situação e vendesse um imóvel para pagar “minha estadia“ na mão de meus captores. Depois de passar esse tempo em que eu senti a proximidade com as terras do lado de lá da vida bem a vista, como nunca antes, eu fiquei vendo um sequestrador em todos os lugares para aonde eu olhava e, como fui obrigado durante esse tempo de cativeiro a fazer uso de “substâncias ilegais” durante todo esse tempo, eu pedi para que minha família me arrumasse um lugar, um alojamento, conquanto que fosse fora de Cajazeiras.
Não sou nem nunca fui, salvo se alguma autoridade médica, um bom psiquiatra ateste o contrário, um dependente químico, mas por parte de minha família, em especial a materna. Sim a nossa grande e sem adjetivos que a definam, Íracles, vem de uma família com muitos casos de adicção a entorpecentes, sem que isso tenha comprometido suas carreiras e trabalhos, a não ser em um caso famoso de meu tio Péricles, de quem herdei o nome e apelido, que em fevereiro de 1952, sentado em uma janela em São Cristóvão, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, ao tomar um porre de lança-perfume, caiu para a morte de uma janela situada no primeiro andar da casa de sua mãe, isso aos 28 anos, fraturou o crânio e veio a óbito, abortando outro membro da família Brocos, que há poucos anos, 1946, havia perdido seu pai Adriano num acidente automobilístico em circunstâncias nunca esclarecidas.
Mas voltemos ao presente. Quando eu pedi para sair de Cajazeiras nosso advogado, que tem os contatos na Terra do Padre Cícero, achou que o local adequado para eu ficar era uma clínica de recuperação de dependentes químicos lá existente, e eu, ainda traumatizado com o ocorrido, e sem fazer a menor ideia para onde estava indo, “me deixei levar” pensando que lá iria fazer o “home office” e continuar a trabalhar normalmente. Quando assinaram os contratos é que eu descobri onde eu estava: trancafiado numa clínica de recuperação de dependentes químicos, completamente isolado do mundo por seis longos meses, ou seja, numa coisa mais ou menos nova; com o fechamento dos hospícios e manicômios, esse lugar vazio haveria de ser ocupado e o foi; as casas que cuidavam de idosos e de pessoas especiais, também passaram a “tratar” – o termo não é bem esse, pois eu não recebi qualquer tipo de tratamento, mas apenas o isolamento da sociedade e a medicação que minha família mandava e vivi em convivência com um monte de loucos, senis, que estavam lá para morrer, dependentes químicos a espera de saírem para tomarem a próxima dosagem para retornarem ao lar, que para eles é a clínica ( eu os chamava de sistematizados), alcoólatras, estupradores, e mais uma variadíssima fauna que aos 68 anos tive que conviver. Uma sociedade completamente diferente com a que convivi meus outros 67 anos de minha vida e que não quero voltar tão cedo ou nunca mais. Acabei de ler um livro escrito sobre uma repórter que passou dez dias num asilo de Nova York, e relatou os terrores desse tempo. Embora bem mais suave que os dos relatados por essa repórter, eu passei 180 num lugar semelhante, e paguei para isso. Não esperava ter essa experiência tão tarde da vida, nem recomendo para ninguém, nem para maus piores inimigos.
Juazeiro do Norte, 26 de fevereiro de 2024
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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