A negritude do Cristo
Por Mariana Moreira
Um Cristo negro?
Quanta apostasia!
Uma mulher trans, um homossexual, pobres de periferia participando da Paixão de Cristo?
Isso é uma blasfêmia!
Embora sem a expressão pública, estes comentários povoaram as mentes e corações de tantos que, assistentes, ou mesmo ouvintes por outros, do Espetáculo da Paixão de Cristo de Cajazeiras, se ruborizaram com as “transgressões” cometidas contra a história bíblica.
Tendo como cenário principal a fachada do centenário Colégio Diocesano de Cajazeiras o espetáculo, com elenco integrado por pessoas comuns, traz em seu “cast” gentes do povo com as quais cruzamos em nosso cotidiano pelas ruas da cidade. No entanto, com a força do empenho em ensaios e caracterizações todos tiveram uma performance magistral, seduzindo e encantando não apenas pela mensagem de esperança, de igualdade, de liberdade que o “sacrifício” do Cristo representa. Mas, também, porque, ainda hoje, tantos são excluídos, apedrejados, silenciados, sacrificados apenas por sua cor de pela, por sua orientação sexual, por sua condição social, por seu lugar de nascimento ou moradia, por seu gênero.
E, na Sexta Feira Santa, assistindo ao espetáculo da Paixão de Cristo, o Cristo negro encarnado por um amigo, Joaquim, me comove e me inquieta. Sentimentos e sensações que se misturam e me instigam a pensar, me transportando para a Jerusalém de dois mil anos atrás, e me encontrando com o verdadeiro Cristo, de pele morena, de cabelos encaracolados, de olhos negros, amendoados. Um Cristo que trazia nas mãos e nas feições as marcas e cicatrizes de um filho de carpinteiro que, na oficina, ajudava o pai a construir móveis, modelando a madeira.
E me inquieta também entender como, por razões políticas, a Igreja e seus governantes aliados, no Ocidente, adulteram a imagem deste Cristo. O vestindo em uma pele branca, com rosto de traços delicados, como olhos azuis e cabelos lisos e longos. Um Cristo que se distancia, radicalmente, de seus contemporâneos. E, como ele, sua mãe, Maria também sofre a metamorfose ocidental, perdendo seus traços orientais e ganhando contornos de uma mulher branca, com feições delicadas, de silhueta longilínea.
E penso que, além de incluir, hoje também temos que atualizar o Cristo e seus próximos (mãe, discípulos, seguidores), os reinserindo na realidade histórica onde, ainda hoje, tantos são mortos por guerras e disputas que trazem como móvel central a defesa de um mundo único tendo o Ocidente como epicentro.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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