A Kombi Azul
Por Mariana Moreira – O nome era apenas Newton da Kombi. Ele e sua Kombi Azul entram em minha vida ainda na adolescência. Nas primeiras brumas das manhãs, em esporádicos sábados, dias de feira livre em Cajazeiras, ele era ansiosamente aguardado por meu pai, ou por minha mãe, quando vinham a cidade para acompanhar os filhos nos estudos, resolver pendências de empréstimos agrícolas e comprar alguns gêneros e produtos para o sítio, em Impueiras.
Saindo do Distrito da Iara, no Ceará, normalmente ao passar por Impueiras a Kombi já vinha com sua lotação máxima. Motivo que, no entanto, não impedia a aceitação de mais um ou mais alguns passageiros que eram acolhidos com a gentileza e a alegria de Newton, mesmo viajando em espaços apertados, em colos ou em pé.
E a Kombi Azul de Newton me acompanha quando, universitária do Curso de Comunicação Social, na UFPB, em João Pessoa, retornava a Cajazeiras e ia a casa paterna de Impueiras, em férias. E era sempre a Kombi de Newton o principal transporte. Sua alegria antecipava as saudades dos pais. A prosa solta no percurso da viagem, o trato gentil com os passageiros, o arranjo para que todos se acomodassem mesmo com a lotação do veículo esgotada, a dinâmica para arranjar a situação e dar um ar de normalidade na passagem pelo Posto da Polícia Rodoviária, dava o tom da viagem.
Mais tarde, já jornalista e trabalhando em emissoras de rádio de Cajazeiras, em vários finais de semana, ao ir para Impueiras, era com Newton que fazia o percurso, já deixando apalavrada a vaga do retorno na segunda-feira, logo cedo. Já conhecida por minha atuação profissional e meus escritos, com alguns já me nomeando “Mariana da Raida”, ele sempre deixava um lugar especial para mim e, no percurso, ia sempre puxando prosa.
Sua gentileza ia além da acolhida na sua Kombi. Muitas vezes, voltando da cidade com algumas compras mais pesadas, como rolos de arame farpado, sacas de arroz que fora levado para “despolpar”, meu pai recebia de Newton a garantia de percorrer cerca de meio quilômetro de ladeiras entre a BR 116 e nossa casa em Impueiras, para deixar os produtos.
Mas a velhice chega e exige de Newton a aposentadoria. Nas curvas da BR 116, na saída da estrada do Distrito de Fátima, ou estacionada em frente a Bodega de Jaime, na Rua Padre José Tomaz, em Cajazeiras, sua Kombi não mais está. Um Kombi já velhinha cujas portas já eram fechadas com ferrolhos. Também não mais encontramos Newton e sua alegria.
Mais tarde, o encontro em uma solenidade religiosa na Capela de Fátima. O reencontro dar-se com o mesmo entusiasmo. Estacionada em canto do terreiro sua inseparável Kombi Azul.
Anos mais tarde, sentido sua ausência naquela paisagem, sou informada de que a vida lhe roubou a capacidade de discernimento e conhecimento. Ora, que nada, pois ainda hoje me lembro de sua Kombi Azul e sua inseparável alegria quando percorro os caminhos entre Cajazeiras e Impueiras, buscando as saudades de meus pais, que também já se encantaram.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
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