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Mariana Moreira

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A forja de cambistas e picolezeiros

18/09/2021 às 08h16

Coluna de Mariana Moreira. (Imagem ilustrativa - reprodução/internet).

Por Mariana Moreira

A sua presença é parte da paisagem. Dividindo a calçada da agência dos Correios com o amigo e pariceiro vendedor de picolé, e tantos outros transeuntes que habitam as ruas da cidade em suas rotinas diárias de trabalho, compras, tarefas e nada a fazer, ele sempre está lá com sua minúscula e rústica mesinha, uma cadeira também na mesma linha de simplicidade.

A atividade diária que desempenha na liberdade da rua e na simpatia dos clientes, embora ainda considerada transgressão, ganha a dimensão do legal na recorrência com que acontece no nosso cotidiano brasileiro. E ele está lá apontando mapas de apuração de sorteios, conferindo resultados de jogos, auferindo ganhadores e perdedores, mas, sobretudo, realizando as apostas e sempre proferindo as promessas de que serão sempre contemplados com os resultados positivos de suas apostas.

E entre os crentes destas promessas estou incluída. Com assiduidade quase diária vou a agência do Correios para verificar minha Caixa Postal e me atualizar das correspondências, boletos, encomendas. E sou instigada a “fazer uma fezinha”, na esteira de uma orquestração de vozes e coros entre o cambista e o vendedor de picolé, ou picolezeiro como batizamos. Ambos com a afirmação convicta do palpite infalível e que o bicho do dia será jacaré, ou macaco, ou vaca, ou leão. Mas sempre com a garantia da certeza do resultado positivo.

Nunca me dediquei ao estudo do jogo do bicho e suas nuances de ternos, quadras, do primeiro ao quinto, milhar e outros predicados e adjetivos típicos desse universo. E, como uma crente convicta no homem e em sua palavra de valor de ofício, sempre embarco nas loas, indicações e palpites do cambista e do vendedor de picolé. E estou lá apostando no jacaré, ou no leão, ou na vaca, ou no avestruz. E, também por indicação da dupla, invisto alguns reais na milhar, me inspirando na placa do meu carro, ou em uma data importante de minha vida.

E, dia seguinte, ao conferir a pula o bicho sorteado estava numa direção contrária à minha aposta. Mas, sempre recebo uma palavra de conforto e estímulo do cambista, num mantra seguido pelo vendedor de picolé: “não perca a fé pois hoje minha indicação diz que vai dar macaco na cabeça”. E lá se vai mais cinco reais apostado no macaco, do primeiro ao quinto, para garantir um prêmio maior e aumentar as chances de ganhos.

Mas, veio a pandemia e o cambista saí de cena e leva junto o vendedor de picolé, as prosas e gaiatices na conferida das pulas nunca contempladas. E não tenho como confirmar minhas suspeitas de que cambista e vendedor de picolé são produtos da mesma “forja” necessária ao um cotidiano mais irreverente, alegre e suave.

E lamento: quero minha vida de volta!


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

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