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Mariana Moreira

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A difícil arte de informar

05/11/2023 às 18h09

Coluna de Mariana Moreira

Por Mariana Moreira – Qual o limite entre a ética e a divulgação dos fatos, através dos meios de comunicação? Ou não existiria essa fronteira?

Ou os fatos devem ser divulgados inspirados e orientados, apenas e tão somente, pelos critérios pessoais de profissionais que, via de regra, são orientados por interesses mercantis e inescrupulosos?

Questões que surgem e instigam nossa capacidade de sujeitos políticos pensantes quando, sintonizando uma emissora de rádio da cidade, me deparo com a transmissão de um programa jornalístico tratando de um crime de assassinato cometido por uma mãe contra seu filho criança.

A primeira agressão ao mais tênue senso ético começa com a apresentação da notícia. O locutor, se arvorando de juiz, ou verdugo, não informa os fatos, em suas nuances e detalhes. Não constrói as narrativas que pontuem todo o percurso da tragédia. Exclusivamente, com uma coleção de adjetivos desqualificadores, traça o perfil da “assassina” pincelado com fortes tintas nas tonalidades do “demoníaca”, “desumana”, “pária social”. Ou seja, está, irreversivelmente, condenada e atirada ao “fogo onde ardem, em vida, as criaturas desalmadas, insensíveis, despidas que quaisquer sentimentos de humanidade”.

Na sequência, numa escandalosa farsa de “participação social”, os microfones são abertos a interação com os ouvintes, todos previamente acordados à participação.

E novamente, o fato se dilui entre juízos de valor, julgamentos banais e sem quaisquer argumentos que instiguem uma reflexão minimamente necessária sobre a questão da violência, das relações familiares, do papel social que, secularmente, suspende a mulher à condição de “santa”, “recatada”, “dócil”, capaz de se submeter aos mais duros e rígidos tormentos em nome de uma sagrada maternidade.

Maternidade que, historicamente, foi sendo montada como uma peça natural da condição da mulher. Ou seja, uma qualidade do ser feminino. Maternidade que não é vista e tematizada como uma formatação social e cultural, que implica e produz a própria continuidade da espécie humana.

E o programa jornalístico da emissora de rádio se estica por longas horas, repisando os mesmos argumentos pífios, machistas, aprioristicamente elaborados, que criminaliza, condena e silencia sem nenhuma base legal, ou mesmo social.

O argumento mais utilizado para justificar comportamento desta natureza na mídia é o do livre direito a informação.

Esdrúxula desculpa.

Informar e, sobretudo, comunicar exige seriedade no trato da informação, respeito aos personagens envolvidos, cuidados na emissão de juízos de valos e posições e posturas pessoais, sempre alimentadas por convicções religiosas rasteiras.

Nas minhas aulas de Comunicação Social, mesmo em plena ditadura, aprendi que informar é uma via de mão dupla que traz, na contramão, a formação de consciências e posições sobre os fatos. Nunca, doutrinação, ou vil domesticação, ou condenação prévia.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Mariana Moreira

Mariana Moreira

Professora Universitária e Jornalista

Contato: [email protected]

Mariana Moreira

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