header top bar

Francisco Cartaxo

section content

A cueca na era Bolsonaro

26/10/2020 às 07h25

Presidente Jair Bolsonaro (Foto: Isac Nóbrega / Editor VV)

Na era Bolsonaro a cueca mudou de status.  Meu pai usava ceroula, comprida, abaixo do joelho, quase no tornozelo. Costume antigo. Os que lutaram na Bahia pela independência do Brasil, depois do dia 7 de setembro de 1822, eram chamados pelos portugueses de ceroulas. Por quê? Não sei. Que expliquem os historiadores. Algum acadêmico que problematize a importância da cueca na reprodução humana, na intimidade da alcova ou nos traços psicológicos dos povos. Já se vê que o tema é para quem domina ferramentas científicas de análise sociológica, histórica, antropológica. E erótica. Minha preocupação é prosaica, apenas divagar em torno do uso da cueca, desde quando eu flagrei meu pai, todo ancho, experimentar o revolucionário modelo de cueca samba canção.

A cueca era peça escondida.

Não para esconder… Deixou de ser quando a mídia expôs homens bonitos, fortes e sorridentes, de cueca-sunga, a comprimir as partes pudendas, aumentando-lhes o volume, em ostentação de masculinidade. A sunga reinou quase absoluta até que o pinto emergiu na brecha e, meio rouco, cantou de galo: tô apertado, tô apertado… Aí, a samba-canção retomou seu lugar na concorrência mercadológica, então mais refinada, afeita a um novo homem, moldado em academias de ginástica.

E as cores?

Amigo meu, historiador, me garantiu que cueca só existia na cor branca, tanto que integrava o bloco da roupa branca. Fã de Nelson Rodrigues, ele repete trechos inteiros de A vida como ela é, a famosa coluna jornalística do pernambucano-carioca. Nelson descobriu o porquê da variação de cores nas cuecas. Foi assim. Certo dia, a madame viu uma marca labial vermelha na cueca do respeitável senhor seu marido. Logo ele que ia à missa e, contrito, comungava todos os domingos. Religiosamente. Diante daquela prova material, aliada à gagueira do homem, entre gritos, empurrões e tapas, – sem beijos, claro, – os dois foram parar na delegacia de polícia.

– Cueca é lugar de se beijar?

Cabeça baixa, o varão engoliu em seco. Na presença do delegado, o respeitável senhor, papa-hóstia, ficou mais gago ainda. Que horror! A cena inspirou marcha carnavalesca: Eu mato, eu mato/quem roubou minha cueca pra fazer pano de preto/, minha cueca tava lavada/foi um presente que ganhei da namorada… Pois bem, esse episódio, concluiu meu amigo, foi o mote para os fabricantes lançarem no mercado cuecas vermelhas. Vermelhas não se denunciam, cochicha o vendedor ao ouvido de jovens e velhos safados! Daí a proliferação de cuecas coloridas em questão de meses! Tudo isso me assegurou o fã de Nelson Rodrigues.

De minha parte, prefiro cuecas pretas.

Da página policial, a cueca migrou para o noticiário político quando um petista cearense, reles assessor, pouco imaginoso, resolveu dar à cueca uma função prática: transportar dólares. Dólares de origem suspeita, obviamente. Como era mixaria, ele nem recorreu aos serviços do doleiro profissional Alberto Yousseff! Melou. O assessor político do deputado do Ceará foi esquecido. Talvez esteja em alguma praia lá para as bandas do Aracati ou no Icaraí, mais perto de Fortaleza. De qualquer forma, a caso serviu para mostrar mais uma utilidade da cueca, embora se tenha revelado um meio de transporte pouco seguro.

Isso se deu em 2014.

Agora, o patriota senador Chico Rodrigues, vice-líder do governo, dentro de sua própria casa, exibiu à Polícia Federal a cueca de cor verde-amarela. Na era Bolsonaro é assim: a cueca mudou de status. E de cor.

Presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras – ACAL


Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Francisco Cartaxo

Francisco Cartaxo

Francisco Sales Cartaxo Rolim (Frassales). Cajazeirense. Cronista. Escritor.
Trabalhou na Sudene e no BNB. Foi secretário do Planejamento da Paraíba,
secretário-adjunto da Fazenda de Pernambuco. Primeiro presidente da
Academia Cajazeirense de Artes e Letras. Membro efetivo do Instituto
Histórico e Geográfico Paraibano. Autor dos livros: Política nos Currais; Do
bico de pena à urna eletrônica; Guerra ao fanatismo: a diocese de Cajazeiras
no cerco ao padre Cícero; Morticínio eleitoral em Cajazeiras e outros
escritos.

Contato: [email protected]

Recomendado pelo Google: