À alegria, por ela arenguemos!
Por Mariana Moreira
Na modorrenta manhã do dia de Natal, quando as ruas da cidade se recolhem em enfados de ceias e fanfarras, a quietude é quebrada pelo farfalhar de asas que, em voos rasantes, gozam da amplitude do vazio de passos, buzinas, pressas. As piruetas de serelepes pombos singram o azul do céu, permitindo ouvir sutis barulhos de penas cortando ventos e assobiando melodias que, no imaginário, despertam para acordes beethovennianos do Ode à Alegria.
E imaginemos as palavras de Friedrich von Schiller como balizas nos dias novos que se anunciam. E cantemos:
Oh amigos, mudemos de tom!
Entoemos algo mais agradável
E cheio de alegria!
Será apenas fugaz desejo de esperança como lenitivo de dores e sofrimentos impingidos por tempos pandêmicos e turvados de fascismos e intolerância?
Não quero acreditar nisso, pois trago a teimosa mania de apostar no homem como a mais engenhosa criação – divina ou da natureza, ao sabor de cada crença -, capaz de invenções complexas e artefatos sedutores e mirabolantes que redesenham e cartografam espaços, limites, fronteiras, conceitos. Homens capazes de reinventar o próprio viver, mas impotentes quando a necessidade determina a unidade como medida de vida. As divisões – também invenções humanas – seguem classificando, hierarquizando, rotulando, separando em guetos, campos, acampamentos, muros o que traz em sua raiz a impressão da unidade.
E a esperança, riscada no céu pelo voo dos pombos em tranquila manhã natalina, insiste e teima em se fazer concretude. O desejo de rostos escancarados, sem medo de máscaras, espirros e morte. Rostos que, na caleidoscópica composição de cores, formas, idades, expressam a mesma raiz: a origem humana. Rostos, imberbes ou fincados de vivências, explodem sorrisos e afetos.
E o som da melodia é pertinaz em nos sacudir para a vida, superando mortes e reverenciando vítimas de atrocidades cometidas por mãos humanas, caducas de atos afetivos e apertos calorosos. E no holocausto da dor desenhos de Miguel, João Alberto, George Floyd, Marriele, Viviane ganham projeção em nossa memória de luta e alimenta nossa capacidade de resistência e arenga em defesa da dignidade de humanos seres.
E assim, berrar a plenos pulmões,
Ébrios de fogo entramos
Em teu santuário celeste!
Teus encantos unem novamente
O que o rigor do costume separou.
Todos os homens se irmanam
Onde pairar teu voo suave.
Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Sistema Diário de Comunicação.
Leia mais notícias no www.diariodosertao.com.br/colunistas, siga nas redes sociais: Facebook, Twitter, Instagram e veja nossos vídeos no Play Diário. Envie informações à Redação pelo WhatsApp (83) 99157-2802.
Deixe seu comentário