Variações de um mesmo tema
Um cheiro de fogueira invade as narinas. Uma tênue fumaça derradeira lembra que as festas juninas são lembranças. Um balão atrasado corta a imensidão escura do céu na direção de um tempo perdido e proibido. Os últimos acordes da sanfona ainda ressoam nos ouvidos, invadindo lembranças e revitalizando imagens que o tempo insiste em preservar no esquecimento. Os amores que os xamegões e arraiais produziram se dissipam em encontros fortuitos e compromissos nunca firmados.
Findas as festas juninas restam os últimos espocares dos fogos que celebram as vitórias e dissabores do futebol que ainda vive o clima de copa do mundo. Na ressaca das festas juninas e do futebol mais uma nova festa se anuncia. A campanha eleitoral se avizinha com suas promessas, seus espetáculos, suas performances. Juramentos serão celebrados e fragilmente cumpridos. Biografias serão maquiadas e vendidas como autênticas e definidoras de perfis de aguerridos defensores do povo. Nos palanques e nas mídias programas e projetos anunciarão a redenção de todos os males e mazelas sociais, econômicas e culturais. Como nas arenas romanas, ao povo serão dispensadas as medidas homeopáticas e necessárias de pão e circo. O espetáculo reserva lugares marcados em reconhecimento pela distinção econômica e importância política.
Nesse ritmo de festas, São João, futebol e política são apenas variações de um mesmo tema. A espetacularização da vida transformando tudo em festas e supérfluos descartados como se esvai no ar a fumaça das fogueiras juninas.
Nos versos do poeta pernambucano Manoel Bandeira o melhor sentimento para manifestar a sensação desses tempos:
Profundamente
Manoel Bandeira
Quando ontem adormeci/ Na noite de São João.
Havia alegria e rumor/ Estrondos de bomba luzes de Bengala.
Vozes, cantigas e risos/ Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei/ Não ouvi mais vozes nem risos.
Apenas balões/ Passavam errantes.
Silenciosamente/ Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde/ Cortava o silêncio/ Como um túnel.
Onde estavam os que a pouco/ Dançavam/ Cantavam/ E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
– Estavam todos dormindo/ Estavam todos deitados.
Dormindo/ Profundamente.
Quando eu tinha seis anos/ Não pude ver o fim da festa de São João.
Porque adormeci.
Hoje não ouço mais as vozes daquele tempo.
Minha avó/ Meu avô/ Totônio Rodrigues/ Tomásia/ Rosa.
Onde estão todos eles?
– Estão todos dormindo/ Estão todos deitados.
Dormindo/ Profundamente.
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